quarta-feira, 6 de junho de 2012

Detetive Álvaro

   Bom, não sei se você sabe, mas se não souber, saiba que eu sei que você não sabe. Eu sou escritor. Um jovem escritor de quatorze anos que nada faz da vida além de admirar sua própria idiotice.

   Qualquer livro meu que for composto por contos, vou publicá-los aqui. Aceito sugestões e críticas construtivas. Postarei ao fim deste... hum... post, o link do site onde estão publicados todos os meus livros.
     O livro que aqui inicio se chama: Detetive Lobo - Aventuras Antes de Trellower. Trellower é o planeta onde se passa o meu livro As Crônicas Mundiais - A Espada Cytrus que está publicado no site Bookess. O livro que aqui começo a posta, também está lá no site e conta a história de uma das personagens antes de chegar em Trellower. No caso, o detetive Álvaro Black.  Para ambientá-lo à história, aqui vai a sua resenha, seguido de seu primeiro caso. Espero que goste.


      
     
             Álvaro Black. Este é seu nome. O certo, é que nada você saiba sobre ele, mas tudo ele saiba sobre você.


     Conheça a história de Álvaro Black um dos heróis da saga Crônicas Mundiais. Quem leu este sabe que ele é um detetive genial. É hora de sabermos qual é o seu passado na Terra e qual é a sua ligação com Tom, (revelação arrebatadora de Crônicas Mundiais) o terrível vilão.
    Siga os passos de Álvaro em casos misteriosos que, um após o outro prende a atenção. Suas investigações percorrem o ocidente e sua fama aumenta cada vez mais. Mas é claro que ele tem que lidar, entre outras coisas, com a inveja do detetive de polícia Ricardo, que é mais experiente e tão astuto quanto o próprio Álvaro. E enfrentar seu maior inimigo, Horácio Rivero , o criminoso mais genial e insano da história ocidental. Além de uma sedutora, esperta e enigmática americana criminosa conhecida apenas como “The Vic” e que promete fazer nosso herói vacilar entre a razão e a emoção.
     Mas Álvaro tem seu fiel parceiro e aprendiz Hugo Ramírez , que lhe auxilia, além de seu gavião Beto, um eficiente pássaro.
    Surpreenda-se com o último caso desta coletânea de investigações,  que revela como Álvaro Black chegou ao mágico planeta de Trellower.


    Aqui vai o link dos meus livros: http://www.bookess.com/profile/r.sjunior/books

     E, aqui, o book trailer de Detetive Lobo - Aventuras Antes de Trellower: http://www.youtube.com/watch?v=TqowWkICbJk
   
                                                             



                                                          Prefácio:
                
                     A vida do detetive

    
      Este livro conta os casos do detetive Álvaro Orlando Eduardo Irmo Black.
 Ele nasceu nos Estados Unidos, mas aos cinco anos veio para o Brasil, e aos dez já não havia sotaque norte-americano nenhum em seu vocabulário.
      Seu pai era faxineiro de uma empresa de computadores de São Paulo, capital. Sua mãe dona de casa e poetiza e seu irmão, Tom, um ator bem-sucedido. Realmente famoso.
      Álvaro sempre sabia, apenas com sua precisa percepção, as paqueras de seus colegas (até mesmo de seus professores).
       Logo, com o dinheiro que juntou com o seu emprego de advogado, pôde comprar um sobrado, uma moto, um carro e contratar uma empregada e um cozinheiro. Que não ganhavam nada além de moradia, em troca do trabalho. E de bônus eram grandes amigos de seu chefe. Tudo isso Álvaro tinha conquistado com estudos e mais estudos.
      Trabalhava com investigações de empresas, traições de casais, corrupção de políticos e etc.
        Mas logo sua vida muda quando um dos seus casos envolve loucura e genialidade... assim como ele próprio tem tais qualidades.
   
                        




                                           


                                                 


                                                         Caso 1
          
             Corrupção e morte

   
    No primeiro caso oficial da carreira do detetive Álvaro Black, ele se mete em uma aventura ao lado das polícias civil e militar. A polícia civil, neste caso, ajuda na investigação, embora o palco mesmo seja de Álvaro Black. A polícia militar aprisiona os bandidos que cometeram um dos crimes, encarregando o detetive de descobrir quem é o mandante já que, nenhuma ameaça da polícia parece ser suficiente para que os assassinos revelem para quem trabalharam.
     A ação fica em segundo plano, estando na maioria das vezes apenas sugestiva. O palco está armado para o destaque de Álvaro no campo da investigação criminal e do achados e perdidos. Usando seus conhecimentos até mesmo tecnológicos em prol da resolução dos casos. É claro que, neste caso específico, a investigação por meio da computação seja, agora, pela polícia civil e não por Álvaro.
     A trama deste caso é instigante e entra à fundo na corrupção e na maldade penetrante na política. Dando amostras ao Brasil do quanto que, neste país, existem relações e poderes que determinam até mesmo o tempo de vida das pessoas.
    É uma trama complexa que requer total atenção de seu leitor. Onde cada novo obstáculo se transforma em pista.
    Descubra quais são os interesses políticos da irmã da vítima, o por que do assassino surpreender os investigadores a cada novo passo e qual é o desfecho do primeiro caso de um dos maiores detetives da história.

  
  
    Era pleno Fevereiro e o céu nublado mal deixava espaços para um céuzinho azul ou alguns raios de sol.
    Mas na rotina acelerada de uma das maiores cidades do planeta, as pessoas mal paravam para analisar o céu ou até mesmo o que as rodeava. Se concentravam unicamente no que tinham há fazer. Analisar ou aproveitar o lado bom da vida viria junto com a recompensa do trabalho árduo. Mas o prazer tardio, se tardio demais, pode trazer a loucura e o arrependimento. O certo é o equilíbrio.
    A brisa não refrescava o calor. Nem mesmo dentro da mansão de Álvaro.
     Tinha dois andares e na garagem havia um carro importado (uma Audi) e uma moto Ninja. O quintal era largo e de azulejo azul. O portão era branco. A parte externa frontal, na cor amarela. A casa era de número vinte e três na Rua Tristão Vanglorias.
    Era uma rua larga e bonita. Com mansões muito parecidas umas com as outras, no bairro do Jaguaré, em São Paulo. O meio fio era todo coberto de pétalas amarelas das flores das árvores que, num ritmo regular, preenchiam os limites da calçada em ambos os lados. Faxineiros limpavam tudo, mas logo o ar do sul e do norte traziam mais uma lufada de pétalas que algumas vezes eram rosas e brancas, na primavera. A rua começava com um pequeno aclive e terminava no norte, sabe-se lá onde. Dava para um labirinto de casas pequenas e bonitas, algumas em construção.
     Por dentro, a casa era tão linda quanto por fora. A sala de estar era larga com tevê LCD e sofá de couro branco. Rack em tons claros e tapete felpudo de oncinha. Um pouquinho mais pra lá havia uma sala de jantar com um grande lustre de cristal no teto. A mesa e as cadeiras eram de metal com acolchoado reconfortante. À frente o banheiro branco com pia, chuveiro e torneiras de ouro. Porém, antes do banheiro, do lado esquerdo, havia um corredor de lâmpada fluorescente, que tinha duas portas que levavam a suítes. Um era do cozinheiro e o outro da empregada.
    Atrás da sala-de-jantar, uma cozinha espaçosa, em cores tão claras quanto a sala-de-estar e a de jantar.
    Ainda na sala-de-estar, havia no seu extremo uma escada de madeira larga que dava ao segundo andar, que levava a um corredor de chão de madeira, assim como a própria escada.
     Na porta à esquerda um quarto-de-visitas e suíte, com uma cama de casal cheia de cobertores, uma tevê simples de 32 polegadas em cima de um rack de madeira em cores escuras, um criado-mudo ao lado da cama e, na parede azul clara, o quadro de um lindo jardim. Era aos moldes originais do quarto dos empregados, que eles próprios foram mudando a seus próprios gostos.
    Ainda no corredor, do lado direito mais um banheiro, pequeno, mas bonitinho e branco. Que tinha vista para todo o bairro do Jaguaré.
    No mesmo lado direito havia o escritório de Álvaro Black. Era o lugar mais bagunçado da casa. O detetive, quando tinha de arrumar algo ali, arrumava ele mesmo. Quase nunca se notava diferença após as arrumações dele. A empregada, escondida, organizava a papelada às vezes. “Estes papéis não estão desorganizados, mas sim num sistema que me é adequado e que vai além da sua compreensão”. Dizia o detetive sempre. Havia no centro uma larga bancada de madeira entulhada de papéis. O quarto todo estava uma verdadeira papelada. Na parede à direita um quadro verde em que, preso por ímãs, estavam coladas reportagens de jornais sensacionalistas, que se aprofundavam nos crimes mais macabros de toda São Paulo. Na parede à esquerda um enorme quadro, que era a pintura de Álvaro Black, sentado numa poltrona de couro, fumando um cachimbo, vestido de sobretudo e chapéu. Com seu lindo gavião-belo chamado Beto no ombro. E, abaixo da pintura um computador de última geração.
   Ao sul do escritório uma janela com vista, como se possível, ainda melhor do que a do banheiro. A janela do banheiro era bem pequenininha. A do escritório do detetive era enorme. Pegava toda a parede e era onde constantemente Álvaro Black tinha suas geniais reflexões.
     Pois bem, do lado esquerdo do corredor, mais à frente do quarto-de-visitas, a suíte do dono da casa.
    A cama era espaçosa (demais, até). Porém nem parecia tanto naquele quarto gigantesco. A tevê de plasma era de 32 polegadas sobre um rack e, à direita, uma imensa e lotada estante de livros (todos sobre casos policiais e técnicas de dedução, e alguns até sobre assuntos variados como matemática, caligrafia, história, direito, terror e mistério).
    Ao lado esquerdo da cama a porta do banheiro.
    O cozinheiro se chamava Eduardo. Ele era boa pinta. Com cabelos negros sempre molhados. Tinha entre trinta e quarenta anos, era sorridente e bondoso.
    A empregada sempre usava um saião jeans por causa de sua religião. Seus cabelos castanhos também eram cumpridos por causa disso. Seus olhos verdes e a pele quase parda. Seus dentes eram separados, tortos e meio sujos. Mas ela era uma mulher muito legal e servia o detetive há oito anos. O nome dela era Raimunda. Eduardo servia Álvaro há dois anos.
    Vamos falar agora especificamente do detetive Álvaro Black. Ele é um homem alto e forte. Mas fica bem claro que ele é um ex-magrelo que malhou. Pele negra e olhos pretos, pequenos e finos. Seu cabelo nas laterais da cabeça (dos lados e atrás) são cortados à máquina número zero. São tão curtos que pode considerar que nessas partes ele é careca. Porém, em cima, há cabelos negros, duros e baixos. Com gel.
    IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII Ele usa sempre um chapéu igual o do Michael Jackson. Quando está calor, camisa meia manga, muitas vezes preta. Em casa usa bastante bermuda. Mas para sair, calça jeans preta e tênis brancos. Usa uma correntinha no pescoço onde está escrito, em cristal que dá bastante destaque e clareza às letras: “JESUS”.
    Ele costuma ser convidado para festas de alta sociedade e sempre usa smoking nessas ocasiões. E seus brincos variados estão sempre postos em suas orelhas. Ele tem brincos de vários tipos: argola, estilo piercing, com desenho de caveira, xadrez, preto, branco, com pedras preciosas, ouro, prata, bronze.
    O detetive é um homem astuto, ardiloso, cortês e inteligente. Deduz coisas sobre as pessoas que as deixam pasmas. Faz com que pensem que disseram a ele. Ou que ele as andava espionando. Passava um bom tempo pensativo, olhando o nada. E não gostava de ser interrompido nessas ocasiões. Ele sempre foi um advogado de primeira qualidade. Mas decidiu se aposentar para trabalhar de detetive particular.
    Ele é faixa preta em Kung Fu, além de tudo. E entende bastante de armas.
    Além de tudo, ele sempre diz que sua maior qualidade é ser religioso. Sempre vai a uma igreja simples e pequena e diz que se renova no conhecimento de alma sempre que volta de lá.
    Naquele quente começo de tarde, a empregada bateu à porta de seu patrão para lhe servir um suco.
    - Senhor Álvaro?
     - Sim?
     - Quer um suco?
     - Claro. Pode entrar.
     Raimunda pediu licença e entrou no escritório de Álvaro Black.
     Ele estava esticado em sua poltrona móvel de couro, frente à bancada de madeira. Olhava o ventilador de teto. Suava muito. Ele então baixou a cabeça e, mexendo os dedos uns nos outros e a boca de um jeito aparentemente inconsciente, ele disse, fitando o vazio, mas olhando para um canto do escritório.
      - Tantos casos singulares que, por não ser da polícia, não posso investigar... Tantos casos que parecem insolúveis para a polícia mas que, pelos dados apresentados, eu já talvez tenha resolvido antes mesmo de ir aos ditos lugares que envolvem o crime aparentemente perfeito.
     Raimunda não entendeu bem o que ele quis dizer, mas decidiu não perguntar.
    Colocou o suco sobre a bancada.
     - Por que o senhor não sai? – disse ela, olhando a linda vista do escritório. – Não vai dar um passeio pelo Jaguaré? Respirar ar puro. Esse lugar está muito abafado.
     O detetive girou a cadeira e olhou para a grande janela da parede sul.
     - Tem razão, Raimunda. Sinto-me como um vampiro, preso aqui. Tenho mesmo que sair.
    Ele então, do jeito que estava, deu um beijo no rosto da empregada e saiu andando rapidamente, assoviando.
    Passaram-se quarenta minutos. A empregada organizava o escritório do patrão enquanto o cozinheiro dava os retoques finais no lanche da tarde. Foi quando o telefone do escritório tocou. Era o telefone não da casa, mas da “agência” de investigação de Álvaro.  Quando isso acontecia era engano. Mas, só de pensar na felicidade do patrão caso não fosse, as mãos de Raimunda eram trêmulas quando ela as esticou para o telefone.
     - Alô?
    - Oi. – disse uma voz masculina bem grossa e calma. - É da agência de investigação de Álvaro Black?
    - Sim – respondeu, como uma atendente profissional, a empregada. – Quem está falando?
    - É o Jorge, filho do deputado Marcos Freitas. Gostaria de contratar os serviços do detetive particular Álvaro Black. Seria possível?
    - Oh, sim. – disse Raimunda, anotando quem é que estava falando. – Vou comunicar ao detetive e em breve ele irá retornar a ligação. Pode dizer seu número, por favor?
    E então Raimunda disse, quando o outro terminou de passar o número:
    - O.k. Álvaro irá retornar o mais rápido possível
    - Muito obrigado.
    - Por nada. Boa tarde.
    - Boa tarde.
    Mais vinte minutos depois, voltou Álvaro, que parecia renovado. Seus empregados estavam vermelhos de tão felizes.
     - É incrível como um bom ar fresco faz com que você fique mais receptivo às mínimas, porém boas, coisas da vida.
     - Senhor? – disse Raimunda, se aproximando sorridente. – Houve uma ligação de um futuro cliente. Parece que você terá seu primeiro caso. Eu disse que você iria retornar a ligação.
    Os olhos de Álvaro se arregalaram e ele subiu as escadas correndo. Entrou no seu escritório e correu ao telefone.
    - Alô? – atendeu uma voz sofrida de mulher.
    - Boa tarde. Gostaria de falar com Jorge. É o detetive Álvaro, acho que ele esperava que eu retornasse uma ligação.
   - Tá bom. Vou passar a ligação.
    A mulher parecia sofrer extremamente e, com a voz rouca, chamou por Jorge e o som de sua voz saiu distante no telefone. E então ela disse “filho”. Ela era a mãe de Jorge.
     - Alô?
    - Boa tarde. É o detetive Álvaro.
    - Ah! Oi! Eu falei com a sua atendente. Então, eu queria contratar seus serviços.
     - Sobre o que é o caso?
     - Oh! É um bastante famoso. Passa na tevê direto. É o caso do assassinato de um político que saía de uma emissora de tevê. Ele... era meu pai.
    Álvaro ficou feliz por ter seu primeiro caso mas também triste ao ver quantas coisas tristes aquele caso envolvia.
    - O.k. Tenho alguns dados de imprensa aqui comigo. Mas este é meu primeiro caso. Por que para esta investigação tão famosa não contrataram alguém mais experiente?
    - Senhor, dinheiro não é problema. Pagaremos o que for. Você não é o único detetive particular no caso.
     - É claro que não. Hum... como podemos nos encontrar para uma conversa?
     - Eu posso ir aí.
     - Não. Fique e dê amparo à sua família. Faço questão de ir aí. E arcar com os custos da investigação, mesmo sob pagamento caso o problema seja resolvido com minha colaboração.
     - Muito obrigado, senhor.
     - Por nada. Não precisa me chamar de senhor.
     - Oh, desculpe.
     Álvaro soltou uma risadinha.
    - Não há problema. Há que horas posso comparecer?
    - Quando quiser. Até agora mesmo.
    - Excelente. Estou a caminho. Diga o endereço.
    - É nos Jardins, rua Renato Saber, número três mil e dez. Agradecemos. Abraços. Até mais.
    - Até mais, Jorge.
    Álvaro colocou o telefone no gancho e olhou em volta com olhos tão ansiosos que chegavam a parecer insanos.
    Pegou duas canetas, um caderninho, revistas que falavam sobre o caso.  Colocou sua carteira no bolso, desceu as escadas deslizando pelo corrimão grosso de madeira, comeu o queijo em uma mordida e o sanduíche em três. Tomou o suco em tempo recorde. Subiu, escovou os dentes e saiu para a rua sob os desejos de boa sorte de seus empregados.
     Ele então foi para a garagem e subiu em sua moto verde, Ninja, colocou o capacete vermelho lustroso e se espremeu na moto para sair antes que o portão da garagem subisse por completo. Respeitou a velocidade permitida por lei e os sinais de trânsito, mas ficava no limite de velocidade e, em casos de congestionamento, costurava entre os carros parados.
    Até que começou a percorrer agilmente as ruas em aclive, de asfalto leve e plano do bairro Jardins. Mansões coloridas de jardins de árvores enormes, guarnecidas por muros altos ficavam fielmente umas ao lado das outras.
    Ele então parou em frente à mansão em questão. Era uma rua que circulava uma praça redonda que tinha uma fonte com uma linda estátua de querubim.
    A mansão era enorme e estava cheia de repórteres, cinegrafistas e fotógrafos. Eles, no momento da chegada de Álvaro, entrevistavam um detetive da polícia civil paulistana.
     Álvaro contornou os repórteres e começou a entrar na casa. Ele esticou a mão para o policial. O outro era um homem de pele branca, braços um pouco peludos. Cabelos ondulados e castanhos. Olhos negros e barba rala. Usava um boné da polícia.
     - Olá – disse o detetive da polícia.
     - Olá – disse Álvaro. – Sou detetive particular chamado por Jorge.
    Álvaro mostrou seu distintivo de detetive particular.
    - Oh, sim. Eles estão lhe aguardando lá dentro. Meu nome é Rodolfo Santos.
    Alguns repórteres começaram a fazer perguntas até mesmo para Álvaro, como “quem é você?”. Mas ele as ignorou e começou a percorrer o quintal.
    O céu estava bem escuro e, do lado de dentro, havia mais dois detetives da polícia que conversavam com um homem alto, branquelo e fortinho. De cabelos baixos, ruivos, cheios de gel e espetados de uma forma ridícula. Nariz enorme e óculos finos.
    Num sofá estava uma mulher ao lado de uma senhora. A senhora parecia fraca. Não sabia como produzir mais lágrimas. Bebia água com açúcar enquanto a mulher a seu lado, que devia ter uns quarenta anos, tentava consolá-la. Alguns detetives conversavam com outros familiares que estavam espalhados pela mansão.
    O cara de óculos se aproximou e estendeu a mão pálida para o detetive:
    - Olá, sou Jorge Freitas.
    Álvaro apertou sua mão.
    - Detetive particular Álvaro.
    Álvaro mostrou o distintivo.
    - Por favor, sente-se. Eu já converso com você.
    Álvaro assentiu, contornou o sofá em que estavam sentadas as mulheres e sentou-se no ao lado.
    Ele então olhou em volta. A mansão, por fora, era num rosa claro pintado sutilmente, enquanto o quadrado perfeito em volta das janelas era branco e limpo. Havia uma lareira na parede à suas costas. À frente uma pequena teve de LCD sobre um rack de madeira vermelha.
    A sala tinha o tamanho ideal. Mas não era muito agradável. O que fazia com que os grandes vasos de plantas nos cantos não ajudassem em nada. O chão de azulejo meio verde escuro com azul mar era esquisito. E havia qualquer coisa pesada no ar. Era, provavelmente, a atmosfera.
    A senhora, com a cabeça no ombro da mulher, olhou para o detetive com o rosto virado para o teto. E disse, numa voz cansada, que saia em lufadas de ar.
    - E o senhor, quem é?
    - Detetive Álvaro. E a senhora seria... a esposa do falecido?
    A mulher engoliu saliva. Como se não pudesse mais ouvir falar de seu ex esposo. Ela fechou os olhos.
     - Sinto muito tocar nesse assunto.
     - Tudo bem – falou a mulher que dava amparo à outra. – E, sim, ela é a esposa de Marcos Freitas.
     A senhora tinha cabelos curtos e lisos. Sua camiseta, chique, era de tecido leve, preto com branco. Usava bijuterias caras e calça jeans. Botas de couro. A mulher a seu lado, compartilhava do mesmo estilo. O das calças jeans apertadas. Só que em vez de bota usava salto alto.
     - E a senhora seria filha dele?
     - Sim. – respondeu a mulher, assentindo. – Só que de um outro casamento.
     - Ahh, sim.
     Então se aproximou uma mulher de cabelos castanhos, que apertou a mão de Álvaro. Ela estava com os olhos vermelhos de tanto chorar.
     - E eu sou a irmã dele. Não estou em condições de dar depoimento. Meu sobrinho vai dar as explanações.
     Jorge então deu um beijo na testa da mãe, que chorava pelo canto dos olhos, com o rosto ainda virado para cima.
     - Hum... senhor Black, acho melhor termos a nossa conversa num local mais apropriado – disse Jorge.
     - Sim, claro.
    Os dois caminharam à um cômodo à esquerda. Era a sala-de-jantar. Bastante parecida com o mesmo cômodo que o detetive tinha em sua casa. Da janela, via-se um quintal florido, com piscina e hidromassagem. Porém tudo ainda naquela atmosfera pesada da qual Álvaro nada gostava.
    Jorge puxou a cadeira para que o detetive se sentasse e depois sentou-se numa para si. E ficaram de fronte um para o outro.
    - Olha, detetive – disse Jorge, passando as mãos umas nas outras em meio ao nervosismo disfarçado. – Tenho que dizer que este caso não é nada fácil. Envolve questões profundas e perigosas da política.
     - Conte-me tudo – disse o detetive.
     - O senhor vai anotar?
     - Não por enquanto. Primeiro, quero organizar os pensamentos, para depois colocar os fatos no papel.
     - O.k – Jorge limpou a garganta. – Meu pai nunca teve inimigos aparentes. Nasceu na área mais pobre de Campinas. Caminhava pelas ruas enlameadas e andava de bicicleta com os amigos. Lutava karatê e tinha várias medalhas. Esportista nato. Ótima forma física. E era excelente nos assuntos escolares. Sempre quis ser político. E tinha total apoio dos pais, sendo que ambos nunca estudaram.
   “Meu pai estava no ensino médio quando perdeu o pai num acidente na estrada. Meu avô era caminhoneiro. Meu pai se viu tendo que, sozinho, sustentar uma irmã pequena – Marcia - e uma mãe já senhora, que vendia cachorros quentes em casa mesmo, para ajudar nos custos. E minha tia ajudava na lanchonete da irmã do meu pai. Tudo isso após a morte de meu avô. Meu pai começou a trabalhar em um supermercado e na escola em que se empenhava nos estudos. Ganhava muito pouco mesmo com dois empregos e perdeu quase que por completo seu tempo de lazer.”
    “Quando, por causas naturais, minha avó deixou dois filhos jovens no mundo, meu pai se viu sem saber o que fazer. Decidiu largar os estudos e trabalhar fora em supermercado, também numa fábrica de sapatos. Infelizmente, ainda faltava um ano de ensino médio...”
     “Um de seus antigos professores, um grande amigo de meu pai, se compadeceu com a história de meu pai e decidiu que iria banca-los. Começou a sustentar, mesmo meu pai e minha tia não sendo seus filhos. Apenas para que pudessem continuar a estudar para, num futuro próximo sair da miséria enquanto realizavam o seu sonho”.
    “E, além do mais, o professor também bancou a viagem de meu pai e minha tia para São Paulo, onde meu pai entrou na USP e minha tia ficou com os avós dela, por parte de mãe, que moravam numa casinha de madeira defronte à avenida Pinheiros”.
    “Meu pai terminou a faculdade de direito e começou a exercer a profissão. E pôde pagar para sua irmã uma escola particular para que terminasse o ensino médio. Agora ela já estava crescida e se esforçou, estudando demasiadamente. Afinal, agora estava em uma das maiores escolas de São Paulo e do Brasil, saindo da deplorável escola pública que estudava anteriormente”.
     “Meu pai conseguiu comprar uma casa bonita e um carro. E minha tia ficou morando na USP, enquanto cursava história. Meu pai se casou bem quando minha tia se formou. E, um ano após estar casado com a primeira esposa, entrou para a política. Se separou, deixando para trás uma filha. Se casou com minha mãe e me teve. À essa altura já era deputado federal. E já estava no meio do mandato de senador quando, após sair de uma emissora de tevê para um debate sobre corrupção no partido da oposição, foi fuzilado”.
     Jorge então ficou com o nariz vermelho e os olhos, também vermelhos, se encheram de lágrimas. Ele tirou os óculos e limpou as lágrimas com os dedos.
     - Pelo que saiu nas manchetes dos jornais, seu pai tinha acabado de entrar no carro quando dois homens de capacete numa moto preta se aproximaram e abriram fogo com metralhadora. A morte foi instantânea.
     - Sim. Foi o que ocorreu.
     - Suponho que já estejam investigando a oposição do partido do seu pai, não?
     - Estão sim. Na verdade, estão dando depoimento agora mesmo na delegacia. A imprensa está toda lá, esperando a saída dos suspeitos.
     - Ótimo. Preciso ver o depoimento. Há previsão para que horas acabe?
     - Oito da noite.
     - Ainda tenho quatro horas.
     Álvaro se levantou e disse a Rodolfo o que queria fazer. O detetive assentiu e decidiu levar Álvaro até a delegacia. Indo à frente enquanto Álvaro o seguia, de moto. E pelo trajeto Álvaro ficou pensando sobre o caso. Estava empolgado, triste e admirado. Empolgado por ter seu primeiro caso. Triste pelo que um homem tão honrado sofrera e admirado pela forma como superara os problemas da vida.
    O céu começou a se pôr quando eles chegaram à delegacia. Alguns conjuntos de nuvens apareciam aqui e ali no céu claro pelos raios do sol. Mas onde os raios solares não pegavam, o azul era um tanto quanto opaco.
    Os dois detetives entraram na delegacia e Rodolfo guiou Álvaro pelo lugar até uma salinha. Dois policiais assistiam a conversa pelo lado de fora, através da janela. Não se podia ouvir nada de fora lá dentro. Mas se podia ouvir tudo de dentro lá fora.
     Um detetive de sobretudo e expressão séria entrevistava um homem de terno. Estavam do outro lado da mesa plana de prata. E um homem, sentado ao lado do detetive, anotava tudo.
  O entrevistado era um homem de cabelos brancos e uma parte calva bem no topo. Era gorducho e corado. Tinha vários anéis nos dedos. Usava terno risca-de-giz e estava de braços cruzados. Algumas vezes coçava o queixo quando ia responder.
     - Senhor Carlos, como estava o debate? – perguntou o detetive, com intensidade e seriedade. - Quem saiu na vantagem?    
    - À turva visão da sociedade, o lado deles.
    - Fora o lado político, vocês se encontraram alguma vez? Você e a vítima?
    O homem franziu o cenho e pareceu seriamente pensativo.
     - Não. Já fomos à festas iguais em dias iguais, mas sempre evitamos qualquer contato fora da oposição profissional.
     - E, me diga, você tem passagem pela polícia?
     - Não. E pode puxar minha ficha.
     - Já puxamos. E, você fala a verdade.
     O senador se refestelou na cadeira.
     - Ótimo.
     - O senhor tem terras para si, não?
     - Tenho.
     - Qual é sua porção de terra?
     - Nada mais que xácaras e fazendas em cidades do interior paulista.
     - Já fez trabalhos comunitários em favelas e morros?
     - Sim. O meu partido se preocupa com os menos afortunados.
     - Tanto que eles continuam desafortunados, né? – disse o novato que anotava as perguntas.
      - Por favor – disse o detetive. – Peço seu silêncio.
      O cara que fazia as anotações assentiu.
      - Diga-me, Sr. Carlos Andrade, como foi sua vida política?
       - Íntegra e transparente – confirmou Sr. Carlos com veemência, batendo a ponta do indicador na mesa. – Fui um jovem deputado federal e decidi manter o cargo por um bom tempo, para servir o povo sem ter a preocupação de uma nova eleição. Por motivos de saúde deixei o cargo e, já bem mais velho, retornei. Já havia, antes de adoecer, servido a pátria com orgulho e respeito e decidi dar mais um passo na direção da democracia plena pelo suor de meu trabalho árduo e fui eleito senador.
      - Sua história faz sentido – comentou o detetive. – Porém, devemos trocar o seu afastamento por adoecer, para pôr: deixar o cargo ante à acusações de corrupção. A “democracia” que você diz defender foi a seu favor, e a burrice do povo também. Elegeu-o mesmo a provas concretas de que seu mandato merecia ser plenamente caçado caso fosse eleito. Como o foi. Agora é senador. Pelo menos é o que diz o que foi à público na época. Na década de noventa. E retornou à vida pública em 2005?
          - 2005 – asseverou o escrivão.
     O senador empalideceu. Seus olhos se arregalaram selvagemente. O branco viajava por suas bochechas vermelhas e gordas.
     - ISSO É UMA CALÚNIA! – gritou o Sr. Carlos. – UMA BLASFÊMIA! TERÁ DE RESPONDER SUAS ASSEVERAÇÕES NO TRIBUNAL!
    O escrivão levantou uma sobrancelha e olhou para seu chefe.
     - Estou apenas fazendo o meu trabalho. E apontei algumas contradições entre o que você diz ser sua vida pública e o que veio à conhecimento público.
    O homem ficou ainda mais vermelho. Não respirava. E então, com um grunhido, começou a regularizar a respiração, folgando mais o colarinho da camisa.
     - Todas essas afirmações foram intrigas da posição. E me é incompreensível e ininteligível o que isso tem haver com o caso.
    - Ora, com alguém que parece ter tantas tendências malignas, parecendo quebrar até mesmo a lei por seu sucesso profissional, não me parece impossível que essa pessoa não seja capaz de matar por uma intriga profissional.
    Álvaro deu um sorriso mínimo. Virou fã daquele detetive. Sem imaginar que, um dia, os dois seriam adversários intelectuais, em corridas desenfreadas para chegar ao fenecimento de um mistério.
     - Isso aqui é uma entrevista ou uma acusação? – disse o homem, vociferando de raiva.
     - Entrevista – respondeu o detetive, e então se inclinou para a frente, sorrindo. – Por enquanto.
      O entrevistado se inclinou para trás com olhar surpreso, novamente empalidecendo.
      - Creio que já ter todas as respostas que necessitava, obrigado – disse o detetive.
     Sem dizer palavra, e de expressão fechada, o senador saiu da sala a passos pesados.
    E, logo, aparecia dando entrevista aos repórteres. Álvaro e Rodolfo se recostaram, lado a lado, na parede do corredor, escutando ao que o político dizia à imprensa, ao lado de seu advogado que, na conversa de seu cliente na salinha, escutava tudo do corredor.
     - Ocorreu tudo como o esperado – garantiu o Sr. Carlos. – A oposição profissional e o antagonismo entre eu e o infelizmente assassinado Marcos Freitas era, como expus de maneira clara aqui, não passava do âmbito profissional. E não é de meu feitio e é completamente contra os meus princípios trazer isso para o lado pessoal e cometer um crime tão bárbaro como esse.
     O detetive e o escrivão saíram da sala. Estavam conversando, sem nem tocar no caderninho.
    Álvaro esticou a mão para ele.
    - Sou detetive particular, e devo parabeniza-lo pelas bem colocadas perguntas que fez ao suspeito.
    O outro detetive a apertou.
     - Obrigado. Meu nome é Ricardo Vieira.
     - Prazer. O meu nome é Álvaro Black.
     Ricardo Viera tinha um nariz grande grosso. Sobrancelhas grossas e pretas. Parecia um homem que ficava quase sempre sério. 
     - E você é o detetive que a família de Marcos Freitas contratou para ajudar nas investigações, não é mesmo?
    - Sim, sou.
    - E pôde dar algum passo na investigação?
     - Não. Preciso falar antes com os peritos do caso.
     - Oh, sim. Boa sorte, então, meu caro.
     - Obrigado. O mesmo para ti.
     Os dois seguiram por caminhos opostos.
     - Vou te levar até o prédio da Polícia Científica – disse Rodolfo.
     - Obrigado, Rodolfo. Você está sendo de utilidade inestimável.
     - Obrigado.
     Novamente, a moto de Álvaro seguia a viatura.  A poucas quadras dali, ficava o grande prédio branco com a enorme placa branca escrita em grossas letras negras de forma que aquele era o prédio da polícia civil científica.
     Eles se identificaram e entraram. Falaram com a atendente, que chamou uma médica.
    - Querem analisar o que houve no caso? – perguntou a mulher. – Claro, claro.  Só um minuto.
     Ela saiu e voltou com uma prancheta que continha três páginas de textos.
    Ela então colocou sobre a bancada da atendente e começou a falar:
    - O fato ocorreu uma e dez da tarde, já para uma e onze. E os assassinos já estavam no meio da rua da esquina às uma e onze perto de uma e doze. Algumas pessoas já corriam pelas ruas, apavoradas. Um transeunte, muito corajoso, passou a placa da moto para a polícia. E descobrimos que a moto era roubada e foi deixada duas quadras mais à frente. O dono da moto confirmou o assalto. Três segundos após o susto, pessoas já se aproximavam do carro. Uma e treze próximo à uma e catorze, o corpo de bombeiros registrou a ligação de socorro. Após ouvir testemunhas, fizemos como foi possível o retrato falado dos assassinos, por dentro do capacete. Dava para ver que um deles era branquelo, magro e deu para se ver de relance uma mecha de cabelos louros suados perto de suas sobrancelhas, bem dentro do capacete. O outro usava óculos escuros e deu para se ver os traços de uma franja preta. Ambos deviam ser menores de idade. Havia balas espalhadas por todo o carro e foram atiradas à um metro do automóvel. Testemunhas dizem que os caras de moto estavam rondando o prédio da emissora de tevê em que a vítima dava entrevista. O roubo da moto foi na Marginal Tietê.
      “Havia duas balas alojadas no crânio da vítima, e uma delas no maxilar, duas no ombro, três atravessaram o braço esquerdo e duas dessas ficaram alojadas na área da costela, enquanto uma perfurou um pulmão. E havia duas na bacia e três na perna. Os tiros destruíram o carro, que não era blindado. As duas armas foram uma metralhadora MG-4. Vejam”.
    A mulher folheou as páginas até uma tabela que falava das características do tipo da metralhadora.
     - Arma impactante, de fato – comentou Álvaro.
     - Com certeza. – confirmou a mulher, com os olhos viajando pela prancheta. – Quem fez isso deve ter recebido uma boa quantia.
     A mulher tinha olhos azuis, cabelos negros ou castanhos escuros cheio de cachos. Pele branca e rosto fino. Era, de fato, linda.
      - Foi muito útil, senhorita – disse Álvaro, sorrindo. Ele estendeu a mão. – Prazer, meu nome é Álvaro.
     - Prazer, detetive particular – disse ela, apertando a mão do outro. – Meu nome é Valquíria.
     Álvaro sorriu.
     - Bom, agora vou para minha casa – disse Álvaro. – Amanhã continuarei na investigação. Boa noite para vocês.
     - Quer que eu o guie até sua casa? – perguntou Rodolfo. – Afinal, você não conhece aqui.
     - Oh, obrigado.
    - Onde o senhor mora?
    - Não precisa me chamar de senhor.
    - Ah, desculpa.
    - Imagina, cara. Não foi nada. Então, é no Jaguaré. Rua Tristão Vanglorias.
    - Eu morei no Jaguaré! E sei onde é a rua. Vai ser fácil guiar você. Só me espere que vou ao banheiro.
     - Beleza.
     Álvaro se sentou em uma das cadeiras de espera e retribuiu o sorriso que Valquíria lhe mandou quando passou por ele. Ela era linda. Mesmo.


                                           
        Álvaro chegou em casa às nove da noite, bastante pensativo. Seus empregados correram para ter novidades.
     - Eai, como foi?
     - Bastante informações. É o caso que está repercutindo na tevê. Sobre o político assassinado.
    O cozinheiro arregalou os olhos e abriu bem a boca.
    - Eai, como anda a investigação?
    - Está tenra. Tenho apenas os dados. Mas não o raciocínio nem o avanço. Eu diria que o caso está 1% completado.
    Ele sentou-se no sofá e ficou fitando o chão, com as mãos entrelaçadas, servindo de apoio ao queixo.
     - A lógica matemática implica-se muito na investigação. Porém na investigação cada incógnita e a maneira com que você tenta dissolvê-la tem efeitos que podem ser a salvação ou a destruição de um homem. Por envolver pessoas. E pessoas são imperfeitas, ao contrário dos números. As descobertas e até mesmo os métodos, pois nem mesmo o investigador é um ser perfeito, pode surpreender falsa ou verdadeiramente. Os seus defeitos de investigação são quando você não descobre os defeitos nos métodos daquele que você quer caçar. Ele está bem escondido por trás daquele x. E você é o cérebro da pessoa que resolve o cálculo. Mas a importância do resultado correto é até mesmo essencial para você. É seu trabalho. Mas nada se iguala ao terror do assassino, que para ele não é profissão, é o ato que, se descoberto, pode dar fim a qualquer vestígio de prazer em sua vida impura. Mas, se não descoberto, pode trazer efeitos catastróficos à sociedade. Ou não. Mas é errado estar disposto a jogar com a sorte quanto a isso. O erro foi cometido. E você é aquele que trará as consequências a esse erro. É um jogo perigoso, e talvez seja burrice eu me viciar em jogar com o mal dessa maneira. Mas eu sou, então, um daqueles viciados em jogos. Porém os meus englobam coisas importantes. Sem querer diminuir qualquer aspecto matemático ou de jogos.
    Raimunda e Eduardo se entreolharam, sem entender nada do que o detetive disse. Quando eles olharam para o chefe, este já andava na direção da escada.
    O detetive ficou um tempo em sua poltrona, negando qualquer menção de Raimunda, atrás da porta, a jantar. A poltrona começou a dar dor e foi-se deitar. Sem conseguir dormir. Na verdade, ele não queria dormir. Mas sim pensar sobre o caso. Era uma sensação boa mas a insônia, em outras ocasiões, seria algo ruim. Mas, no primeiro caso de Álvaro Black, até que veio a calhar.



    No outro dia ele foi para a delegacia que investigava o caso e viu que o delegado, o Sr. Antônio, ouvia algo em um fone-de-ouvido, ligado a um aparelho complexo que parecia alienígena, conectado ao computador, que tinha uma linha que vibrava ao ritmo do som, viajando pela tela.
    O Sr. Antônio era um homem gordo, de expressão severa. Cabelos apenas nos lados e atrás da cabeça. Tanto seu bigode como seus cabelos, eram completamente brancos.
    - Uh, os hits do momento, não é?
    Antônio e Álvaro já se conheciam. O Sr. Antônio foi o professor de Álvaro no curso de detetive particular. Álvaro entrou e saiu como o melhor aluno que o Sr. Antônio já teve.
    O delegado apertou stop na máquina e deu risada.
    - Não, não. É a gravação de uma escuta telefônica que instalamos na casa do suspeito. Quer ouvir?
    - Claro. E algo me diz que vou tirar importantes conclusões.
    Álvaro se sentou ao lado do delegado e colocou um dos enormes fones de ouvido. O delegado voltou a fita.
    A voz do Sr. Carlos cumprimentou informalmente a de uma mulher que parecia de meia idade.
   - Megan! – disse a voz do Sr. Carlos. – imploro a você, antes que me complique, que esqueça o passado!
    - Não – vociferou a voz. – Não foi o que fiz que é imperdoável, mas sim o que sofri. Dada às traças pela ambição. E é pela ambição que terei minha vingança. Pagarei com a mesma moeda. Entrarei na vida política e irei alto nela. Espere... E se grampearam a linha telefônica?
     - Não sei. Vamos falar de celular. É melhor.
     O telefone desligou e veio apenas o silêncio.
   - Depois disso tem apenas a ligação para uma pizzaria. – lamentou o Sr. Antônio.
    - Uh! Interessante.
    - Eai, chegou a alguma importante conclusão?
    Os olhos de Álvaro se tornaram felizes.
   - Não sei. Primeiro quero ouvir as suas.
    - Pois bem. Eu acho que essa mulher culpa o Sr. Carlos pelo assassinato e por isso ele a pede para esquecer o passado.
    - Não acho. Eu já acho que ela é a mandante do crime. Foi vingança, é claro. Algo antigo, mas que ela vem remoendo até hoje. O Sr. Carlos, ao se ver prejudicado pelo assassinato que essa misteriosa mulher mandou executar, pede pra ela esquecer o passado e deixar a vingança de lado. – os olhos de Álvaro se arregalaram. – Então é porque ela ainda tem planos de vingança. Mais alguma morte vem por aí. Sem contar que a voz dessa mulher me é familiar.
    O Sr. Antônio passou a mão no queixo, os olhos pensativos.
    - Oh, de fato. Isso faz total sentido. Do que adiantaria ele pedir pra ela “esquecer o passado” sendo que esse passado é praticamente um presente. Bom, é possível, mas a sua teoria faz muito mais sentido.
     Álvaro ficou feliz. Foi elogiado por seu mestre.
     - Na época em que tinha sua idade, não tinha nem a metade da sua genialidade.
     - Mas sim o dobro – brincou Álvaro.
     O Sr. Antônio riu e chamou um policial.
     - Diga para quem o Sr. Carlos ligou. Rastreie a ligação grampeada.
     O policial assentiu e saiu apressado.
      Através das paredes semi-transparentes, daquele tipo meio borrado, Álvaro viu o policial sentar-se em seu computador e logo depois se levantar e voltar ao escritório do delegado.
      - Foi de um telefone de uma residência na cidade de Campinas. O telefone era o da própria dona da casa.
      - Campinas não é... ?  - começou o Sr. Antônio.
      Álvaro sorriu, excitado. Mexia no queixo como seu mestre, os olhos pensativos.
      - Sim. É. A cidade em que nasceu a vítima.



     - Devem estar gostando do seu trabalho! – disse Raimunda, não se contendo de tão feliz. – Se vão lhe mandar numa viagem remunerada!
     - Ainda não deu tempo para gostarem do meu trabalho – disse o detetive. – A remuneração é feita pela família e sou amigo do delegado, que eu já conhecia antes de reencontrá-lo neste caso.
     - Por que é você tem que ir a Campinas? – perguntou Eduardo, sério, sentando-se no sofá.
     - Espere, meu amigo – disse Álvaro. – Contarei tudo a vocês no final do caso. Tenho que ir imediatamente.
      - IMEDIATAMENTE?!
      - Sim. Uma mulher que pode ser terrivelmente importante para o caso pode escapar. Quero que cuidem bem de Beto na minha ausência. Ou melhor, vou leva-lo comigo. É adestrado e pode se mostrar uma eficiente arma quando for preciso se capturar algum bandido.
      - Mas vai assim, sem comer nada? – disse, aflita, Raimunda.
      - De fato – respondeu Álvaro. – Comerei feito um leão em algum restaurante por lá.
      - Mas eu fiz pudim de chocolate! – disse Eduardo, indignado.
      Álvaro olhou sem expressão para seu cozinheiro.
      E então caminhou até a cozinha e deu colheradas na tigela de vidro.
      - MEU DEUS! – disse ele. – Me sinto mal por ter de partir, mas deixem um pouco pra mim desse pudim. MEU DEUS! QUE DELÍCIA! 
      Eduardo e Raimunda riram e então viram o detetive subir e pegar às pressas qualquer coisa que fosse útil para a investigação à distância. E logo partiu com uma mochila nas costas, um gavião no ombro de uma sacola de comida de gavião numa mão e um revólver no cinto.
       Uma viatura da polícia lhe esperava.
      Antônio olhou para o amigo recém-chegado.
      - Puxamos as informações da residência. É de uma tal de Sra. Tereza que morreu sem herdeiros. Há uma briga na escassa família dela para ver quem é que fica com a casa. E perguntamos à família da vítima se eles a conheciam. E eles confirmaram. Ela era tia de um vizinho que a vítima teve no passado. A casa está completamente vazia. Essa mulher com a qual o Sr. Marcos falava deve ter mandado assaltar a casa do sobrinho da Sra. Tereza, que estava com o antigo telefone dela. Que foi um dos únicos pertences roubados no assalto que cometeram pouco antes da morte de Marcos Freitas.
       - Esse caso está se mostrando uma trinca trama – comentou Álvaro.



      A viagem foi tranquila. O céu nublado (algumas vezes contraditoriamente ensolarado) se mantinha sobre os vastos campos que, no horizonte, levavam a montes baixos e verdes. O transito estava tranquilo e um ou outro carro era passado pelas viaturas.
    A ruas da metrópole eram largas e a cidade em si, linda e limpa. Prédios numa distância regular uns dos outros. E a altitude deles era média. As lojas e casas eram bem pintados e árvores finas e bonitas estavam ao longo de determinadas calçadas. Eles passaram por uma linda igreja branca.
      O céu estava azul, com um outro conjunto de nuvens.
       - Linda cidade – comentou o detetive, após uma viagem nada silenciosa com seu velho amigo Sr. Antônio.
      - Nunca este aqui?
      - Não.
      - Pena que é à trabalho. Campinas é um ótimo lugar para se passar as férias.
    

     Eles foram para uma casa de um andar. Mas era super larga. Toda rosa. Em pleno subúrbio. Era uma casa como qualquer outra da região. Elas eram de fato idênticas.
     O Sr. Antônio e os demais policiais, armados fortemente, bateram na casa. Álvaro olhava para a casa por baixo de seus óculos escuros com seriedade.
     Ninguém atendeu.  Chamaram, chamaram, chamaram. Nada. Nada. Nada.
     Eles então pularam a cerca e entraram no gramado perfeito. Andaram pela garagem até a porta. Chamaram na porta. Nada. Arrombaram a porta. A casa estava vazia.
       Álvaro franziu o cenho ao olhar para o chão. Estava todo empoeirado. Por isso haviam marcas de pegadas à frente de onde estavam os policiais, parados, pensativos.
     - Ninguém se mexa – disse ele.
    Lentamente, ele acompanhou as pegadas que iam e voltavam, se misturando um pouco.
     - Quem esteve aqui foi apenas por pouco tempo. Afinal as pegadas estão definíveis. A pessoa entrou e foi para o corredor.
    O detetive caminhou até o corredor que não era separado da sala por uma parede e ficava do lado direito. A pessoa foi ao banheiro. E depois ao quarto, que fica logo ao lado, na mesma parede.
    Os demais o seguiam lentamente, prestando atenção. Álvaro abriu a porta do quarto. Ele o ouviu o estalo como se a porta ao ser aberta quebrasse algum tipo de linha. E depois um bipe seguido de outro num ritmo cada vez mais acelerado.  
     - CORRAM! – gritou.
     Ele e os demais saíram correndo. Estavam já quase na porta da sala quando houve a explosão...
     Todos foram ao chão empoeirado. Beto voou para fora da casa. As paredes do corredor e do quarto em que estava a bomba caíram, levantando mais poeira. O fogo se alastrou pelo quarto. Um policial se feriu. Ao ser jogado na parede, bateu a cabeça e desmaiou, constataram os demais, quando se levantaram.
     Álvaro agradeceu a Deus por estar bem.
     - Foi lá que ela fez a ligação. No quarto. E foi logo depois da ligação que ela instalou a bomba. É claro. Uma pessoa que tem contatos com assassinos, bandidos terá contato com pessoas que mexem ilegalmente com bombas.
     - Vamos chamar os bombeiros para apagar o fogo. E também a equipe antibomba. Vai que tem mais alguma por aqui.
     Os bombeiros apagaram as chamas e, de fato, havia mais uma bomba. Desta vez na cozinha.
     - Esses caras são heróis – comentou Álvaro com o Sr. Antônio.
     - Com certeza – comentou o outro, olhando com admiração enquanto os profissionais do perigo saíam pela porta da casa.
     O telefone do Sr. Antônio tocou e a pessoa do outro lado da linha disse alguma coisa que deixou o delegado boquiaberto.
    Álvaro, à distância, já descobriu, pela expressão do amigo, do que se tratava:
    - Nem precisa dizer. Mais alguém envolvido no caso morreu, não é? Porém ninguém da família, já que está sendo fortemente protegida pela polícia.
     O pálido Sr. Antônio assentiu.
     - Quem morreu foi uma mulher aqui da cidade. Senhora Zilda! E, segundo a ex esposa de Marcos Freitas, Zilda é o nome de uma ex-namorada do Marcos!
     - MEU DEUS! – disse Álvaro, terrorizado pela frieza da mulher. – MEU DEUS!
     Eles entraram nas viaturas e foram em disparada, de sirene ligada, para o local do crime, seguindo as instruções do GPS. 
    Zilda era pedagoga e morava numa casa simples nos limites urbanos de Campinas.
    Os detetives aguardaram do lado de fora (entre eles o recém-chegado Ricardo Vieira). Os detetives tentavam ao máximo consolar os familiares da mais recente vítima.. Menos Ricardo, que tentava tirar alguns dados.
    - Ricardo, eu acho que eles não estão muito bem para dar informações – disse Álvaro para Ricardo, quando a mãe da Sra. Zilda caiu em prantos mais uma vez.
    - Álvaro, eu sei o que estou fazendo.
    Álvaro assentiu, relutante e voltou para o ponto em que estava antes, na calçada, em frente à casa onde a perícia trabalhava.
    O perito saiu da casa com seus colegas e olhou para os detetives.
    - Por favor, vão para a o prédio da Polícia Científica de Campinas.
      Os detetives concordaram e Ricardo Vieira decidiu parar o interrogatório e seguir os demais detetives até o prédio da Polícia Científica de Campinas.
     Eles foram até a sala do chefe da perícia. Mas foi apenas Álvaro e Ricardo. Que eram os principais detetives da investigação.
    - Vocês não são de Campinas, né?
    - Não – responderam os dois.
    - Eu cheguei aqui por causa de uma investigação lá de São Paulo que se entrelaçava com uma suspeita daqui – disse Álvaro.
    - Eu estou no mesmo caso. Infelizmente o Sr. Antônio, delegado da operação, decidiu convidar a Álvaro e não a mim. Mas cheguei quando soube quem morreu.
    Álvaro e Ricardo trocaram um olhar inexpressivo.
     - O.k – disse o perito. – O caso é o seguinte: a senhora regava suas plantas quando um transeunte que, apesar do sol, estava de capuz que escondia seu rosto, passou e, por o muro ser baixo, puxou a cabeça da mulher com o braço por cima do murinho e cortou o pescoço dela.
    “A filha da mulher, que a visitava, estava assistindo da janela da sala, tranquila, a mãe regar as plantas quando viu aquela barbaridade. Ela gritou pela mãe e foi quando o homem saiu correndo. A filha de Zilda correu para o quintal e o irmão dela apareceu na sala. Ela correu para socorrer a mãe e contou ao irmão o que aconteceu. Ele então mandou a irmã ligar para a polícia, pulou o muro e correu na direção que a irmã mais nova disse que o homem foi”.
     “Ele correu atrás do homem e deslizou para trás de um poste quando o homem começou a atirar. Ele então entrou num carro a duas quadras dali. Era um carro completamente tunado. Cheio de cores, desenhos e luzes. E saiu disparado”.
     - Será que não era a misteriosa mulher indo buscar seu comparsa? – perguntou, pensativo, Ricardo.
     - Não. – disse Álvaro. – Aquela mulher têm tendências de ser mandante de crimes, sendo que a participação mais direta que tivera com eles foi instalar aquela bomba. Não foi ela que atirou no Sr. Marcos e, por isso, não vai ser ela a ajudar na fuga do novo assassino.
     - Mesmo sabendo que esse assassino, se pego, pode coloca-la em maus lençóis? - disse Ricardo, levantando as sobrancelhas.
     - Sim.
    

     Álvaro, Rodolfo e o Sr. Antônio saíram do prédio da Polícia Científica de Campinas e respiraram fundo, lado a lado.
     - Qual é o próximo passo? – perguntou Rodolfo.
     - Sr. Antônio – disse Álvaro. - peço que comunique à Polícia Militar de Campinas para que procure por algum assassino ou traficante que tenha um carro tunado.



     Pouco tempo depois o Sr. Antônio veio com a informação que os detalhes do carro passados pelo filho da vítima se encaixam com o do carro de um assassino de aluguel de Campinas, que não usava o carro nos crimes (por ser chamativo demais), mas que tinha subalternos que cometiam os crimes e usava o carro de placa encoberta, num local de encontro a alguns metros da execução, ignorando o quão chamativo era, se importando mais com a potência do carro, no caso de necessário uma fuga. É claro que agora ele estava em maus lençóis, afinal era inédito em meio aos seus crimes, que alguém relacionado à vítima persiga seu subalterno.
    Como aquela rede de crimes era intermunicipal, a Polícia Militar deu especial importância no auxílio e, dois dias depois, prenderam o assassino. Que dizia apenas que foi um homem que apareceu lá. Um homem que se dizia policial. Ele tinha características que, quando passadas a Álvaro, lhe pareceram muito familiares...
    Ele estava no escritório do Sr. Antônio, vendo o retrato falado.
    - Não é possível...
    Ele disse isso bem quando o Sr. Antônio entrava na sala.
    - O que não é possível?
    Álvaro estendeu a caderneta com o retrato falado do policial.
     - Esta pessoa lhe parece alguém?
     - Sinceramente, não. Até porque é difícil ver. Está de jaqueta preta, óculos, boné.
     Mal o Sr. Antônio disse isso e um policial entrou pressuroso pela porta.
    - Senhor! – disse. – O assassino da Sra. Zilda se matou!
     Álvaro e o delegado correram para as celas, onde já estavam aglomerados três policiais.
    O assassino estava apenas de camisa e cueca. Sua calça estava amarrada no pescoço.
     O Sr. Antônio fez o sinal-da-cruz e, enquanto isso, algum dos quatro policiais disse:
    - Não há testemunhas! Não havia ninguém por perto. Nenhum preso, nenhum carcereiro dos presos que estão aqui para darem esclarecimentos antes de irem para penitenciárias.
    - Tire o pé de cima! – gritou de repente Álvaro.
    Todos olharam para ele enquanto se agachava e puxava, de baixo do pé de um dos policiais, uma foto.
     - Creio que ele não se matou porque quis – disse Álvaro.
    Era o retrato de uma mulher negra e bonita. De cabelos molhados e ondulados. Usava camisa rosa com tiras prateadas e estava na rua de alguma periferia. Tinha um bebê de colo muito fofo nos braços e tirava foto dela mesma, com a língua de fora.
     - Mas porque afirma isso apenas através dessa foto? – perguntou o Sr. Antônio, enquanto os demais policiais se aproximavam.
     - Pensem, pensem! – disse Álvaro, olhando de olhos arregalados para o corpo do preso, sentado na cama, com o corpo apoiado na parede fria e mofada, com baba percorrendo seu peito e barriga, resultado do auto enforcamento. – Um homem se mata e a foto de uma mulher e de um bebê é encontrado no corredor em frente de onde ele se matou. É claro que ele não fez isso porque quis, mas porque ameaçaram matar a família dele. Um de vocês dois conseguiu ver o mandante do suicídio não foi?
     - Como sabe que eu não vi? – disse um dos policiais.
     - Porque você acabou de dizer que, num sentido geral, não houve testemunhas. Mas pare de fazer perguntas supérfluas! Me digam qual de vocês viu o mandante do suicídio?
     - Eu – disse um dos policiais.
    - Conte-me o que aconteceu.
    - Eu estava entrando no corredor quando vi o homem. Era incrivelmente idêntico ao homem do retrato falado passado pelo próprio cara que acabou de se matar. Era ele. Tenho certeza. Ele estava no outro extremo do corredor. Na hora eu nem me toquei o quanto era parecido com o homem do retrato falado. Até ver o corpo do rapaz. Então corri para o outro extremo do corredor, onde o assassino sumira pela porta. Mas ele já tinha sumido. Mas não daria tempo de sair pela porta convencional, cruzando a delegacia...
     - Saída de emergência – disse o Sr. Antônio, arregalando os olhos. – Infelizmente, a esse horário, muitos dos nossos policiais saem para o almoço ou para casa, quando o período de trabalho deles acabou.
     - Um dos cúmplices do assassinato trabalha aqui nesta delegacia – disse Álvaro, olhando, impressionado e assustado, para o chão do corredor das celas. – Onde este caso vai nos levar?
    Álvaro olhou em volta.
    - É claro que esse policial ou detetive daqui forjou informações para que sua ligação com a mandante do primeiro assassinato passasse incógnita. Então, um dos novos policiais daqui, que manejam as informações, foi comprado.
    - Ou ameaçado – disse um dos policiais.
    - Dificilmente. Uma ameaça a um colega dentro de uma delegacia? Já saberíamos disso. Perguntem, questionem.
    O Sr. Antônio, seguido pelos demais policiais, correu para os cubículos dos atendentes e dos burocráticos que manejam as informações.



    De noite, Álvaro estava em seu escritório, rodando sua cadeira giratória, enquanto estava sentado nesta, quando o telefone tocou. Ele atendeu e Beto voou para seu ombro, parecendo querer escutar a conversa.
    Era o Sr. Antônio, dizendo que conseguiram descobrir quem foi o policial forjado pelo misterioso mandante do suicídio, cujo velório ocorreria na manhã seguinte. Descobriram o erro de informações arquivado no computador de um policial que disse que, quando começou a salvar as informações da família do Sr. Marcos quando recebeu elas escritas, foi no banheiro e, quando voltou, estranhou que o número de palavras do documento digital que começava a ser copiado das anotações e dados da família da primeira vítima, estava diferente. E também que a tela estava focalizada numa parte mais baixa da página digital. Estranhou, mas ignorou e continuou escrevendo.
    O Sr. Antônio riu, dizendo que deu um aperto no policial, ordenando que ele fosse mais detalhista em seu trabalho, investigando cada mudança estranha, por mais pequena que fosse.
    - Basta fazermos as impressões digitais – disse Álvaro. – Para ver qual que diverge das pessoas que normalmente frequentam o computador.
    - É só o garoto.
    - Então ótimo!
    - Mas já checamos, mas o idiota usou luva.
    - Acho que estou bem perto de resolver o caso.
    - Mas com tantos obstáculos! – admirou-se o Sr. Antônio.
    - Sim. Graças a uma grande ajuda do homem que cometeu suicídio.
    - Hã?
    - Quando ele estava vivo, é claro. Bom, amanhã vou para a delegacia e torça para que meu palpite esteja certo por mais triste que seja para nós.
     Álvaro foi para a delegacia no dia seguinte e sabia que eram grandes as chances do caso ser resolvido naquele mesmo dia.
       Mandou que Beto, que era adestrado, esperasse numa janela fechada da delegacia.
     Ele se encaminhou para o escritório do Sr. Antônio por um caminho diferente naquele dia. Rodolfo foi cumprimenta-lo. 
     - Olá! – disse Rodolfo.
    - Olá! – disse Álvaro.
     - Você parece feliz.
     - É que acho que vou poder hoje mesmo resolver este caso!
     Os olhos de Rodolfo se arregalaram de excitação.
     - Legal! E quem foi o mandante de tudo isso?
     - Você verá!
     - Mal posso esperar.
      Álvaro então se encaminhou para o escritório do Sr. Antônio.
     - Me diga, Antônio, Rodolfo tem o costume de almoçar fora?
     - Não. Por quê?
     - Porque está saindo agora. Vou segui-lo.
     - O qu...
     Mas Álvaro já saia pela porta.
     Estava ensolarado e era meio-dia. As ruas estavam lotadas de pessoas indo para algum restaurante passar o horário do almoço. Álvaro esperou até Rodolfo sumir no pátio externo e foi em seu encalço.
     Ele foi com passos largos e procurou andar pela calçada como se fosse um transeunte normal. Sentia prazer na perseguição.
     Ele andava espalhafatosamente. Queria ser discreto para quem ele perseguia, mas sem deixar o estilo de lado. Ele se imaginou num filme. E a trilha sonora era uma música com uma boa batida, uma cantora de linda voz e uma voz de fundo que acompanha de maneira adequada. Andava de passos largos pela multidão, os braços balançando alto. Chapéu e óculos. As pessoas mais próximas dele olhavam franzindo o cenho. Ele sorria.
       Ele então apressou o passo, deixando o estilo um pouco de lado, pois estava muito distante de seu alvo. Rodolfo era um homem extremamente inteligente, pois decidiu sair com o carro na esquina da delegacia. Para não chamar a atenção de seus parceiros já que estava claramente acuado com as enigmáticas frases que Álvaro lhe dissera antes. Como Álvaro suspeitava, o carro de Álvaro não era para pessoas que quisessem passar incógnitas. Era um baita Camaro amarelo. Ele já deixava o carro num ponto estratégico para o caso de necessitar sair da delegacia sem chamar atenção.
      O carro disparou pela avenida. Era lindo, mas mesmo assim diferindo do carro que foi buscar o assassino da Sra. Zilda.
       Álvaro então ligou para o Sr. Antônio, já correndo pela multidão pelo caminho de volta.
        - Senhor Antônio! É o Álvaro. Vamos logo pegar uma viatura e seguir o Camaro de Rodolfo!
       Álvaro esperou dois segundos no pátio da delegacia, e então uma viatura saiu disparada. Com o Sr. Antônio e mais dois policiais dentro. Black saltou para dentro do carro e colocou o braço do lado de fora e estalou os dedos. Beto voou para seu ombro e Álvaro recolheu o braço.
    - Por que é que você trouxe essa ave? – perguntou um policial.
    - Porque ele vai ser útil.
    Eles aceleraram pelas ruas pedindo informações para identificar o Camaro, abrindo espaço no trânsito sem a sirene ligada auditivamente, apenas com as cores piscando. Para não chamar atenção do Camaro caso este esteja mais perto do que desejavam.
    Estranhamente o carro saiu da área urbana. Rumando para Santos.
    Álvaro, de repente, bem quando os primeiros pingos de chuva começavam a cair sobre a viatura que se mantinha a uma distância adequada do carro que eles perseguiam, ofegou.
    Todos olharam para ele. Insistiram para que ele falasse o que pretendia e o que descobriu, mas ele estava decidido a só revelar o que tivesse de revelar quando o caso já estivesse solucionado. Conversavam o mínimo possível. Apenas coisas importantes para a perseguição. Álvaro nada falava. Ficava pensando. Os braços cruzados e a cabeça sobre o peito.
      - Que foi? – disse o Sr. Antônio, no banco do passageiro.
      - O caso já foi solucionado. Peço que sigam as minhas instruções.
      Uma hora depois chegaram a Santos. O Camaro parou numa rua de paralerepípedo larga que era banhada pelo sol que estava decidido a abrir caminho entre as nuvens gordas.
     Rodolfo saiu do carro e bateu numa casa. Alguém atendeu e ele entrou.
    - Está na hora de Beto entrar em ação. – disse Álvaro, pegando uma pastinha com quadrados de variadas cores. Ele tirou o quadradinho rosa e colocou na frente do bico do gavião.
     O gavião levantou voou e voou até a sacada do segundo andar do sobrado em que entrou Rodolfo.
   Álvaro olhou para seus parceiros com um sorriso no rosto.
    - Ele foi treinado e irá pegar informações com uma câmera presa à sua perna na casa correspondente à cor que lhe mostrei.
     Meia hora se passou e então Beto voou de volta. Álvaro mexeu na câmera pequenininha presa na perna da ave, soltou-a do pássaro e assistiu à gravação. Então deu um risinho e constatou:
    - Ele está falando com uma mulher sobre mim. Que há a chance de eu ter descoberto toda a trama. Como de fato descobri. Sr. Antônio, creio já ter reunido provas suficientes. Dê a voz de prisão.
    Álvaro, o Sr. Antônio e os policiais saíram da viatura e bateram no portão. Rodolfo e a mulher foram atender e, mal o Sr. Antônio chamou-os, Rodolfo os abordou com tiros. Um dos policiais foi atingido e morreu na hora. O Sr. Antônio chamou reforços e Álvaro deu uma piscadela para Beto, que olhava à batalha dentro do carro.
     Logo a casa estava cercada e Rodolfo fez a mulher de refém.
     - É tudo combinado – disse Álvaro para o policial que fazia as negociações, que viraram a noite. – Eles são cúmplices nos casos de assassinato. Mas talvez em meio à pressão que fizemos, o acordo entre eles acabou. E são capazes de ferir um ao outro para saírem ilesos. Por isso, vamos ter cautela.
     Mas acabou que Rodolfo e a mulher se entregaram e foram condenados pelo assassinato de um policial. É claro que os demais crimes que cometeram colocariam ainda mais peso em sua pena. Foi por isso que Álvaro ficou no meio do júri, onde iria apresentar as provas.
     Ele olhou em volta, limpou a garganta e começou:
      - Bem, primeiro logo notei que o que ouvi na ligação grampeada entre o suspeito inicial e uma enigmática mulher pareciam, à meu modo de ver, mais incriminadores à mulher do que ao próprio suspeito. Seguindo essa pista, fomos levados à Campinas, que era incrivelmente a cidade em que a vítima inicial passou a infância. É claro que o assassinato tinha raízes muito mais antigas do que qualquer antagonismo político, pelo menos nos motivos elementares para a causa do assassinato.
    “Quando fomos abordados por uma bomba, descobri que de fato a assassina era a mulher, que, ardilosa, implantou aquela bomba suspeitando e arriscando que seguiríamos o rastro da ligação que poderia estar grampeada. E, logo depois Zilda, uma antiga namorada da vítima inicial foi assassinada. E algumas frases ditas pela mulher na ligação grampeada matutava em minha cabeça como uma chave prestes a abrir um baú, mas que insistia em errar a fechadura: ‘Não foi o que fiz que é imperdoável, mas sim o que sofri. Dada às traças pela ambição. E é pela ambição que terei minha vingança. Pagarei com a mesma moeda. Entrarei na vida política e irei alto nela.’ Logo pensei que era alguma ex-namorada do Sr. Marcos, abandonada quando este, como disse seu próprio filho, se mudou para São Paulo. E essa ideia se reforçou quando uma outra ex-namorada do Sr. Marcos foi assassinada.
   “É claro que uma mulher sozinha não seria capaz de cometer sozinha tais assassinatos, de maneira tão ardilosa para conhecer os métodos de investigação para saber burlar a todos. À menos que ela fosse da polícia. E por isso tivesse contatos corruptos e nefastos com assassinos que faziam o trabalho sujo. Para isso seria necessário uma grana alta. Acima de qualquer cargo policial simplório.”
  “ Foi então que a excelentíssima Polícia Militar capturou o assassino direto da Sra. Zilda, que fez o retrato falado, com certeza sob pressão, do policial. Que logo me lembrou muito o policial Rodolfo que, pelo seu uniforme, dava para ver que era de alto cargo na polícia. Foi então que houve o suicídio do assassino e a foto de sua família. E na prisão provisória da delegacia em que trabalhava Rodolfo! Ele tinha alguma relação com a vítima, que tinha relação com seu assassino. Mas, ao forjar as informações dadas pela família do Sr. Marcos, ele usou luvas. Foi então que disse a ele que o caso estava supostamente solucionado e com isso levei ele a me levar até a mandante oficial dos assassinatos, onde demos voz de prisão.
   “Tal qual foi o choque da família ao descobrir que a mulher era na verdade irmã da vítima inicial.  Que queria vingança, como assumiu, por muitas vezes, quando necessitava dos cuidados do seu irmão, ainda na época pobre em que viviam em Campinas, ele faltava ao trabalho para ir namorar Zilda. Ela pretendia matá-lo e ainda subir alto na vida política para aumentar o gostinho de sua vitória. Ela era esposa de Rodolfo, que decidiu ajudá-la.”
     No julgamento, a família do Sr. Marcos e da Sra. Zilda choravam o tempo todo. Rodolfo e Marcia pareciam indiferentes, com expressão rancorosa.
    - Mas qual é a relação entre o primeiro suspeito, senador, e a Sra. Marcia? – perguntou o juiz, perspicaz.
    - Era a esse ponto que eu pretendia esclarecer agora. Como eu já suspeitava, e como, sem saída, Marcia confessou, ao tentar se vingar o máximo possível do Sr. Marcos, tentou se aliar à sua oposição. E já saiu nos jornais que a oposição já era acusada de corrupção. Mas o Sr. Carlos aceitou se aliar à Marcia, sendo que aceitaria ser culpado pela morte de seu inimigo, enquanto ela terminava seu plano. Saiu nos jornais que ele foi flagrado com sacolas de dinheiro. Era o que ele iria oferecer à justiça em troca de tirá-lo de suspeita. Assim, Marcia conseguiria sua vingança, abrindo espaço para Carlos mergulhar na vida política. Estou certo quanto a isso, Sr. Carlos?
     Carlos estava desconsolado em sua cadeira. Muito vermelho, ergueu os olhos desvairados para Álvaro e confessou:
    - Sim. É tudo verdade.
   


     Marcia, Rodolfo e Carlos foram presos por pouco tempo. Graças à lei do Brasil, foram soltos sob pretextos de direitos ridículos. E Carlos ainda conseguiu ser reeleito.
     Sobre o caso que Álvaro acabou de resolver, ele raciocinou sobre os prejuízos fatais: Os criminosos tiraram a vida de um político honesto, uma humilde e bondosa senhora e o de um policial que sempre foi exemplar. Quando o Brasil irá mudar? Quando que o mal que há nos locais que deveriam combater o mal irá acabar? Os bons políticos nada podem fazer pois são minoria. A corrupção, como uma cobra, rasteja pelos principais órgãos públicos de nossa nação. Mas o povo está distraído. Perdido de ante do espetáculo do esporte enquanto aos poucos, percebendo ou não, são roubados de maneira terrivelmente nefasta. Brasil não é o país do futuro, pois o futuro chegou e o país não deu conta de cumprir suas metas além de Copas do Mundo. Pois futebol não significa quase nada para quem está morrendo de fome. Futebol não sustenta nenhuma família pobre que não pode nem pagar uma escolinha desse esporte para seus filhos. O que sustenta o povo trabalhador são eles mesmos e o auxílio do governo, que pisa em cima deles. Acorde Brasil. Antes que seja tarde demais. E Deus venha para terminar com tudo. E os maus serão punidos e os bons recompensados. No destino final, ser um rico malvado de nada adiantará, mas mesmo sendo um pobre de coração íntegro, a verdadeira recompensa será dada.
     Ricardo Vieira parabenizou, com claro desprezo, Álvaro pelo bem sucedido caso:
    - Não pude ajudá-lo pois estava com um caso muito mais importante em mãos. Um caso não só intermunicipal, como também interestadual.
    - Será um prazer tentar ajudá-lo neste caso também – disse Álvaro, sorrindo para Ricardo.
    - Creio que já está quase solucionado o mistério.
     - Vai que há algum erro que apenas eu poderia perceber? Um erro pequeno porém potencialmente significante?
     Como, de fato, havia. Álvaro mudou o rumo das investigações de Ricardo Vieira por completo. O que só aumentou ainda mais o ódio de Ricardo Vieira por Álvaro Black. Mas isso você verá no caso à seguir.
   Mas, se tratando especificamente do caso que Álvaro acabou de resolver, ele raciocinou sobre os prejuízos fatais: Os criminosos tiraram a vida de um político honesto, uma humilde e bondosa senhora e o de um policial que sempre foi exemplar. Quando o Brasil irá mudar? Quando que o mal que há nos locais que deveriam combater o mal irá acabar? Os bons políticos nada podem fazer pois são minoria. A corrupção, como uma cobra, rasteja pelos principais órgãos públicos de nossa nação. Mas o povo está distraído. Perdido de ante do espetáculo do esporte enquanto aos poucos, percebendo ou não, são roubados de maneira terrivelmente nefasta. Brasil não é o país do futuro, pois o futuro chegou e o país não deu conta de cumprir suas metas além de Copas do Mundo. Pois futebol não significa quase nada para quem está morrendo de fome. Futebol não sustenta nenhuma família pobre que não pode nem pagar uma escolinha desse esporte para seus filhos. O que sustenta o povo trabalhador são eles mesmos e o auxílio do governo, que pisa em cima deles. Acorde Brasil. Antes que seja tarde demais. E Deus venha para terminar com tudo. E os maus serão punidos e os bons recompensados. No destino final, ser um rico malvado de nada adiantará, mas mesmo sendo um pobre de coração íntegro, a verdadeira recompensa será dada.





 
                                            Caso 2
                  Bondade fatal

     Num dos casos mais chocantes do histórico de casos do detetive Álvaro, nos deparamos com a falsa bondade. Pessoas aparentemente bondosas aparecem na calada da noite oferecendo comida para mendigos. Agradecidos, eles comem. Porém logo depois agonizam e morrem. A comida era envenenada. E cada vez mais vítimas aparecem por toda São Paulo. E Álvaro e a polícia se perdem, sem saber qual será o local do próximo ataque, que com certeza segue um padrão. Que parece difícil até mesmo para o próprio genial detetive.



          Álvaro recebeu todo feliz sua família em sua casa. Dera a notícia de que conseguira resolver o primeiro caso oficial de sua vida. Mesmo que todos já soubessem, pois o caso recebeu grande ênfase na mídia.
     Sua mãe tinha as mãos cheias de veia e ressecadas. Resultados de uma vida inteira dedicada a limpar a sujeira dos outros, porém com dignidade, esforço e capricho. Mulher forte, mas bondosa. Se chamava Cecília. Seu marido, pai de Álvaro e Tom, era um homem baixinho e cheio de rugas. Olhos sempre vermelhos pelo longo tempo passando noites a fio acordado pilotando caminhão. Baixinho e de cabelos também baixos. Magro e de pele morena. Sempre usava uma camisa sem manga desgastada e bermuda bege. Homem de grande coração, que passava longos tempos na varanda de sua casa, fumando e bebendo enquanto meditava. Seu nome, Manuel.
      Tom era um homem negro e alto. Bastante bombado e de cabeça lisa. Suas feições mais pareciam a de um touro. Ele era galã de novela e, mesmo sendo brasileiro, já ganhara o Oscar de Melhor Ator por seu papel dramático no filme “Homens coloridos sobem a montanha de sorvete jogando um baralho de caderno enquanto montam em mulheres-burras que estão comendo máquinas fotográficas – parte Um”. Era uma reunião reservada para comemorar o primeiro bem sucedido caso de Álvaro, em que contou a partir de sua genial versão, como resolver o intrigante mistério.
      - Estamos tão orgulhosos de você! – disse Cecília. 
      - Parabéns, filho – disse Manuel.
      Álvaro agradeceu e olhou para o irmão.
       - Que foi, irmão? Algo parece incomodá-lo.
       Tom deu um sorrisinho.
       - Nada não.
       - Soube que conseguiram 100% de audiência na novela Gordura no Calendário.
       - Oh, você lembrou – disse Tom, que pareceu um pouco mais feliz.
     Mas os seus pais pareciam nem ter ouvido essa parte da conversa.
     - Então... tem mais algum caso em mãos?
     - Tenho recebido montes e montes de casos para resolver – assumiu Álvaro. – Irei pelos quais mais me chamarem a atenção.
      - E o que é que te chama a atenção nesse assunto? – perguntou Manuel.
      - As excentricidades do caso ou o seu alto nível de dificuldade.
      De noite, todos assistiam, na sala de estar, ao noticiário, que falava sobre o mistério de um grupo de jovens que dava comida aos moradores de rua na calada da noite. Comida envenenada. Enquanto Manuel dizia como aquele caso estava à altura de seu filho, o telefone do escritório tocou e Álvaro foi atender. Ao retornar, voltou rindo.
       - Acabaram de me chamar para esse caso dos mendigos.
       Tom já tinha ido embora. Parecia meio triste e disse estar com dor de cabeça. Mas seus pais, que ainda estavam lá, parabenizaram seu filho.
      - Terei que ir à meia-noite até a delegacia que está investigando o caso.
       Ao chegar na delegacia, Álvaro se reuniu ao delegado, que conversava com uma mulher suja e de cheiro desagradável, mas Álvaro percebeu que por baixo daquela negatividade existia uma bela mulher.
     Álvaro os cumprimentou e se sentou ao lado da mulher.
      - Bem, o senhor deve ser o detetive Álvaro – disse o delegado. – Meu nome é Marcílio. Esta é Neide, uma das sobreviventes de um dos ataques do grupo de assassinos.
     “Bem, segundo ela, uma vã preta parou em frente ao grupo dela de moradores de rua. Desceu uma mulher bonita que ofereceu delicadamente a eles pratos de comida. Eles ficaram agradecidos e comeram a comida deliciosa que lhes fora doada. Pouco depois, um a um, começaram a agonizar. Os que conseguiam tal proeza correram até a delegacia e falaram o que estava a acontecendo. Foi detectado que havia veneno de rato na comida”.
       Álvaro franziu os lábios, esticou as pernas juntas para o lado e olhando para a parede com as mãos entrelaçadas sobre a parte baixa da barriga, indagou:
     - Me diga, Sra. Neide, que tipo de roupas essa mulher estava usando?
     - Era um colete bege por cima de uma brusa da mesma cor. E uma calça que parecia amassada (mas deve ser assim mesmo, como algum tipo de moda) e botas pretas.  Ah! E uma boina também, sim.
      - Por acaso usava algum bracelete?
      - Sim. Era vermeio e no meio um círculo branco com uns riscos pretos.
      - Poderia desenhar o símbolo para nós? – perguntou Álvaro, sorrindo.
      - Não sinhô. Eu não prestei muita atenção.
      Álvaro pegou seu bloquinho de notas e sua caneta preta e começou a rabiscar. Quando mostrou o que marcou no papel, havia ali o símbolo nazista.
      - Seria por acaso este símbolo?
      - É sim! Sim sinhô!
       O Sr. Marcílio pareceu tão feliz quanto Neide.
     - Excelente, detetive Álvaro! Dá para se ver porque se saiu tão bem no caso do assassinato daquele político.
      Álvaro agradeceu.
      - Agora já vai dar pra pegar essa muié, vai? – perguntou Neide, olhando de Álvaro para o Sr. Marcílio e vice-versa.
       - Ainda não – respondeu o Sr. Marcílio com simplicidade. – Mas essa descoberta ajudou muito.
       - Sr. Marcílio, o lugar dos ataques por acaso percorre um padrão?
       - Sim. O primeiro foi na Praça da Sé e agora percorre a oeste. O último ataque foi a 14 quilômetros da Praça da Sé. Eles atacam os mendigos que veem pela frente nesta direção.
       - E a que horas ocorrem os ataques?
       - Sempre de madrugada. Dês de uma da manhã até as cinco.
       - Passou na televisão que os ataques começaram no dia que deu início ao horário de verão. Escolheram esse período que é o que deixa as cinco da manhã, que normalmente já estaria clareando o céu, mas no caso o permanece escuro.
        - Mas há um problema, Senhor Álvaro. O horário de verão termina amanhã.
       - Certo. Eu quero que tirem todos os mendigos num raio de dois quilômetros do último ataque, na direção oeste, claro.
     Álvaro teve que explicar novamente o que queria que fizessem. E depois o delegado mostrou a Jack a gravação de vídeo de um dos ataques, e tudo que a mulher descreveu se encaixava aos fatos!
    No dia seguinte, Álvaro foi ao seu armário de disfarces e pegou o de mendigo. Passou, vestiu e se maquiou.
     Ao se olhar no espelho, estava irreconhecível. Seus cabelos estavam desgrenhados e seu rosto e corpo sujam de maquiagem. Seus olhos estavam envoltos por olheiras. Seus dentes estavam enganadoramente podres. Suas roupas esfarrapadas e sua expressão abatida típica de um velho mendigo.
     - O que faz aqui na casa do Sr. Black?! – disse a empregada, fingindo estar assustada, quando seu patrão saiu do escritório.
     - Falando com a empregada – disse Álvaro, também em tom de brincadeira.
    Álvaro pegou seu carro (para ninguém estranhar um mendigo pilotando uma moto super cara, ele preferiu mascarar com um carro que o mantia incógnito graças ao vidro blindado escuro) e foi para pouco mais ao oeste do último ataque. Os policiais foram competentes e não havia outros mendigos na área. Álvaro colocou um papelão na calçada deserta e molhada e se sentou, encostado no muro amarelo de uma padaria. Esperando ao ataque. Chegou um pouco cedo para não correr o risco de desencontros. Poucos eram os carros que passavam. Mas uma vã parou. A mesma das gravações. Um sorrisinho se abriu no rosto de Álvaro. Ele então fez seu sorriso sumir quando uma mulher se aproximou. Era linda. Linda de doer. Cabelos ondulados compridos e brilhantes. Um corpo espetacular e um rosto liso. Não era difícil imaginá-la com o cabelo preso e vestes sociais de trabalho enfrente a um computador. Mas agora ela estava vestida com roupas militares verdes e boina. No seu braço uma faixa com a suástica.
    Ela atravessou a rua com passos moderados e um jeito doce. Álvaro decidiu que seria mais convincente se fingir de bêbado. Empunhou sua garrafa de cerveja e deu uma golada.
     - Oooi – disse a moça.
     - Oi – disse Álvaro, atuando muito bem como bêbado. – Você é a cara da minha filha. Só que ela é mulher.
    Deu para ver que, em seu âmago, a mulher ficou ofendida, mas engoliu essa com doçura.
    - Eu também sou mulher – disse ela, sorrindo com delicadeza.
    - Não com um queixo desse tamanho – disse Álvaro. – Qual é o seu nome?
    - Ana – respondeu a mulher, que parecia claramente desconfortável revelando seu nome. – Eu trouxe comida pra você. Quer?
    - Sobre isso – disse Álvaro, se levantando e, conforme falava sem parar, sua voz foi deixando de ficar como a de um bêbado para ficar como a sua habitual. – Depende. Eu não gostaria de comer algo envenenado. Afinal eu tenho amor próprio e informação. Informação é algo que as pobres outras vítimas não tinham e por isso ficaram despreparadas ante a um ataque como esse. Um ataque que me dá raiva. E acredite quando digo que você não quer me ver com raiva.
    A van buzinou e um homem disse:
    - Qualé, Ana! Vamos logo com isso!
    Ana estava paralisada e pálida. De olhos arregalados.
    Álvaro tomou a quentinha da mão da mulher e abriu. Ele riu.
    - Fui avisado que eram tipos de venenos de ratos. O delegado me pediu para ver se não havia uma espécie de pó preto que com certeza é chumbinho ou então pequenos retangulozinhos cuja cor predominante é rosa. E vejo que coincidentemente têm.
    Álvaro riu e pegou do bolso esfarrapado as suas algemas.
    - Parabéns, sua bruxa. Está presa. E seus parceiros também.
    - FUJAM! – gritou a mulher, quando foi rapidamente algemada ao braço do detetive.
    A van cantou pneu e acelerou. Mas havia viaturas policiais escondidas em todas as esquinas. Mas o piloto era habilidoso, e desviou agilmente. As viaturas foram em seu encalço.
    Álvaro acompanhou enquanto os automóveis viravam a esquina.
    - Hum... seu amiguinho dirige bem. AI!
    Ele sentiu uma dor aguda na maçã do rosto. Levou um soco.
    Ana lhe deu um chute giratório, que Álvaro segurou com o braço que não estava algemado. O tornozelo da mulher, em sua mão, pairava a centímetros de seu rosto.
    - Ah! – disse ele. – Por favor, se contenha. Não há como fugir.
    Mas a filha da mãe brigava bem. Com o seu pé de apoio, ela girou. Uma perna passou por cima da outra, acertando o rosto de Álvaro, que girou no ar e consequentemente obrigou Ana a fazer o mesmo. Mas ela era mais ágil que Álvaro (e mais nova também) ela levantou de um salto, empurrando as pernas para cima e depois se apoiando sobre os pés. Este movimento súbito ergueu Álvaro alguns centímetros e depois fez ele bater as costas no chão com força e ele guinchou de dor. Mas ele também tinha seus macetes. Ainda no chão, girou o corpo, e suas pernas deram uma rasteira na oponente, que caiu de lado no chão. Álvaro se levantou e torceu o braço dela. Ela gritou de dor e Álvaro a manteve no chão.
     - Você não vai sair daqui. Você é rápida. Mas eu sou mais forte. Se se mexer, quebra o braço.
    Ela decidiu usar um truque feminino muito abaixo de seus padrões de lutadora... Começou a berrar socorro e dizer que um mendigo a estava atacando. Álvaro tapou sua boca com a mão e disse para ela ficar calada. E antes que a luz de um dos apartamentos próximos se ascendesse, uma viatura voltou rápido. Era a do delegado Marcílio. Ele saiu do carro com mais dois policiais.
    - Droga! – disse ele. – Os idiotas fugiram! Eles conhecem essa cidade como a palma da mão.
    - Pelo menos – disse Álvaro, sacodindo o braço de Ana que ele mantinha torcido. – Essa gostosa aqui vai nos revelar onde ficam seus amiguinhos.
     - Uma gostosa que não vai lhe revelar nada porque tem poucos segundos de vida – sussurrou ela, depois de cuspir os cabelos que estavam em sua face que caíram em sua boca.
    - O quê? – disse Álvaro.
    Rápido feito um raio, bem quando os policiais iam pegá-la, ela mergulhou a mão no bolso de Álvaro e puxou sua pistola, que ela levou à sua própria cabeça e, antes que qualquer um pudesse fazer qualquer coisa, ela apertou o gatilho...
     E assim Álvaro Black ficou algemado a um cadáver.
     A maioria das luzes das casas próximas se ascenderam, e a viatura partiu acelerada pela rua, levando o corpo da nazista. As demais viaturas procuraram e patrulharam por horas, mas não encontraram os criminosos. Álvaro ficou lembrando em sua mente da cena da linda mulher sendo posta no porta-malas da viatura. Ele meneou a cabeça negativamente enquanto a cidade de São Paulo passada veloz. Uma mulher tão linda não precisava se juntar a um grupo tão terrível e mal. Ela poderia ter um lindo futuro e parecia vir se uma família rica. Quando que isso vai acabar? Até quando o mal receberá cada vez mais pessoas, que entram de livre e espontânea vontade nele, sob pretextos tão banais?
    No dia seguinte, houve um protesto pela morte da jovem. Passou até na TV. Os familiares se negavam a acreditar que ela se unira aos nazistas. E os ataques continuaram. Desta vez rumavam para o noroeste, mas por um curto período, até rumar por um bom tempo para o nordeste. A polícia desconhecia o padrão de rumo dos ataques. Os criminosos sempre estavam um passo adiante. E isso frustrava Álvaro. Outros policiais usaram o mesmo truque do disfarce e ficaram em grupos nas ruas. Mas a polícia é lenta. E quando chegavam ao que tudo indicava ser o próximo local do ataque, os assassinos já tinham mudado de rumo. E às vezes voltavam atrás, e continuavam onde tinham estado antes. Mas Álvaro sabia que era apenas para manter uma padrão que de fato existia. E ele não descansaria até conseguir descobrir qual era. Passava noites a dentro pensando, analisando. Isso preocupava seus empregados, pois seu patrão parecia abatido.
     A empregada passava pelo corredor quando escutou um barulhão. É claro que vinha do escritório de seu patrão. Ela parou diante da porta com a mão erguida para bater. Mas hesitou. Talvez não fosse uma boa hora para incomodá-lo. Ela conhecia ele a muito tempo. E ele era uma pessoa totalmente diferente quando estava com raiva. Ela então bateu.
    - Entre – disse a voz exausta de seu patrão.
    Ela abriu a porta e prendeu a respiração. Todos os papéis que antes estavam organizados sobre a mesa pois ela mesma arrumara estavam jogados no chão. E eram vários. Sobre a mesa estava apenas um grande mapa. Ao lado de uma garrafa de vinho. E uma caneta tinteiro. Seus olhos estavam vermelhos e ele estava de pé, inclinado para a mesa.
    - O que quer, Raimunda? Estou trabalhando.
    - Estou preocupada com o senhor. Este caso o está deixando louco. E é apenas o seu segundo caso!
    - Está me chamando de inexperiente, Raimunda?
    - Não. Apenas que... onde isso vai parar? Essa profissão vai acabar te matando!
    - Um risco que estou disposto a correr.
    - Mas eu não estou disposta a ver o senhor morrer.
    - Tape os olhos. Ou não intrometa no meu trabalho vindo no meu escritório.
     - Desculpe, senhor...
     Ela começou a recuar.
     - Raimunda...
     - Senhor?
     Álvaro suspirou e andou até a empregada e a abraçou. Ela também o fez.
    - Preciso de um ombro amigo agora – disse ele. – A cada dia que passa mais pobres moradores de rua morrem.
    - O que é esse mapa? – perguntou Raimunda, andando até a mesa.
    - Esse é o caminho que a van assassina está fazendo. Não consigo estabelecer um padrão que me faça prever os passos deles.
     - Parece que formou um “S” de formas... sei lá... retas. – disse a empregada, olhando os riscos que seu patrão fizera no mapa de São Paulo que representavam o caminho feito pelos assassinos.
    - De fato. Poucos são os que se preocupam com os moradores de rua para alertá-los do perigo. E também não há órgão público ou privado que dê conta.
    - E parece que outro “S” está se formando...
    - Sim. Antes de terminar o primeiro eles passaram para o segundo, mantendo esse padrão de maneira aleatória, apenas atrapalhando a investigação. Sob sugestão minha, a polícia se preparou para um ataque ao sul, caso sejam dois S que eles estejam tentando formar. Mas o segundo S se voltou na direção do primeiro. E ambos são inclinados, o que só atrapalha.
    - Mas... e se esses dois “S” se juntarem?
    Álvaro parecia pensativo. Ele então parou o raciocínio e olhou para a mulher.
    - Se cruzarem, você quer dizer?
    - É, isso.
    Álvaro pegou um lápis, para o caso de apagar depois caso a teoria de Raimunda estivesse errada e juntou um S de traços retos ao outro. Seus olhos se arregalaram um pouco e se ergueram para a parede oposta. Seus lábios se separaram em pura surpresa.
     - Eu não preciso completar o símbolo para saber qual é. Raimunda, você acaba de me ajudar a salvar a vida de alguns moradores de uma das maiores cidades do mundo!
    - É mesmo? – Raimunda parecia tão surpresa quanto Álvaro. – E que símbolo é?
    - A suástica. É claro! É óbvio! Eu só não percebi antes pois um S de formas retas estava começando a se inclinar sobre o outro e o fato de não terminarem um, que tinha tantas curvas e passarem para o outro e depois voltar, era de dar quase tontura. Ahhh, Raimunda!
     Álvaro a abraçou forte. Depois olhou para o seu relógio de pulso com misto de felicidade e urgência.
    - Duas da manhã. É o horário em que sei que você acorda para arrumar meu escritório sem eu ver. – Raimunda corou depois dessa. – Os ataques devem ter começado.
     Álvaro olhou para o mapa com sua lente de aumento e então vestiu às pressas sua roupa de mendigo e saiu correndo dizendo que tinha que ligar para a polícia.
    Ao ligar, descobriu que os ataques começaram e que já havia vítimas registradas em hospitais.
    - Sr. Marcílio! – disse Álvaro, descendo as escadas correndo. – Vamos para a Avenida Paulista. Já! É o ponto de encontro entre as duas marcas que formam um único símbolo!
     - O quê?
     - Deixa pra lá! Apenas vá para exatamente o centro da avenida paulista. Com o máximo de policiais e viaturas que conseguir!
     Álvaro montou em sua moto e saiu em disparada. Impaciente a cada sinal vermelho.
     Quando chegou a seu destino, já viu lá viaturas.
     - Vamos para todas as ruas que fazem divisa com a Avenida Paulista! Se escondam!
     Eles fizeram isso e o Sr. Marcílio insistia por um esclarecimento. Mas Álvaro apenas mandava que ele esperasse e que só aparecesse quando ele atirasse para cima.
    Ele então saiu andando até a calçada e se sentou sob a luz do poste. A van nazista apareceu e um homem de expressão simpática desceu, oferecendo a refeição mortal. Álvaro atirou para cima e os policiais e viaturas cercaram a van. Só que aqueles nazistas eram devotados. E estavam dispostos a morrer pela causa perdida e errada.
    Eles pegaram fuzis e metralhadoras, pularam da van e começaram a atirar. Mataram alguns poucos policiais. Mas foram completamente fuzilados. E a faixa com a suástica presa ao braço deles logo se cobriu de sangue causado por eles mesmos.
    Álvaro, na delegacia, uma hora depois, bebendo café junto com Raimunda, explicou como resolveu o caso, dês de o início. Mas a chave da coisa foi descoberta primeiramente pela empregada.
    - Primeiramente – disse ele, sentando ante ao Sr. Marcílio, que escutava a tudo em pleno silêncio e atenção. – Eu pedi que os policiais se instalassem onde, caso eles tomassem aquele rumo, os nazistas fariam o ataque. Me ofereci de isca. Mas eles conseguiram fugir e os ataques continuaram. Seguindo o mesmo padrão descoberto mais tarde por Raimunda, porém de uma forma variada. Eles preenchiam o símbolo (com perfeição, como descobriram seus policiais) aqui e ali e não seguindo uma direção plenamente contínua. E foi isso que nos atrapalhou. Mas, numa noite em que eu beirava a loucura, mesmo eu sendo completamente grosseiro com ela na ocasião, Raimunda, a genial Raimunda, na inocência de sua inteligência, descobriu o padrão, do qual eu apenas me aprofundei rapidamente e assim pudemos prever os passos dos assassinos.
   No dia seguinte, após os funerais e enterros dos policiais mortos na operação, houve na prefeitura de São Paulo, a entrega da medalha para Álvaro de serviços prestados à cidade. E tanto ele como Raimunda ganharam cinquenta mil reais. A bondade de Álvaro e Raimunda foi recompensada com fama e dinheiro, mas a maldade dos nazistas, com sangue e morte.
     Eles descobriram mais tarde a sede daquele grupo nazista agora extinto. Viram papéis e mapas que descreviam ou mostravam que, de fato, o plano era marcar a cidade de São Paulo com a suástica da morte de mendigos.
   
  
   
   
                                            Caso 3
                  Morte de café

    
    Os dois primeiros casos do famoso detetive Álvaro lhe serviram para dar fama à sua competência singular. Tanto que ele é chamado à Florianópolis para investigar um caso importante. Um fazendeiro é encontrado morto em sua própria plantação de café. Ricardo Vieira, antagonista de Álvaro e também famoso, é o primeiro a investigar o caso, enquanto Álvaro dava os retoques finais em “Corrupção e Morte”. Ricardo Vieira acha que tudo indica para a empregada do fazendeiro que apanhou de seu patrão uma vez. E agora cabe a Álvaro confirmar ou refutar a tese de seu colega. Num caso cheio de ação Álvaro se vê às voltas no âmago do interior de Florianópolis nas entranhas de uma das famílias mais importantes do sul do Brasil.


    O caso era sobre um homem chamado Raul Aguiar encontrado morto no meio de uma plantação de café em sua própria fazenda. Ricardo Vieira - que mesmo sendo detetive em São Paulo era renomado em todo o Brasil e até no exterior e por isso foi chamado para investigar também - achava que fora uma empregada do fazendeiro se vingando de maus tratos.
    O caso ficou conhecido no Brasil todo. E Álvaro Black também, que começou a ter listas de casos para resolver, mas percebeu que o caso do assassinato na fazenda em Santa Catarina era o mais misterioso dos casos. (E o menos o de uma velha que perdeu os óculos). E logo a família do fazendeiro decidiu chamar Álvaro para as investigações ao lado da polícia de Santa Catarina. Mas Álvaro sabia: o palco da investigação e solução do mistério era dele.
     - Viajar para Florianópolis, senhor?! – disse Raimunda. – Não pode trabalhar num caso por aqui mesmo?
     - Não. Traria muito menos retorno. Mas porque tanta preocupação?
    - Ora, por que me dá angústia você se arriscando nesses casos! Ainda mais tão longe!
    - Não há distância longe o bastante para impedir que alguém trabalhe no que ame. Não se preocupe, Ra.
     Álvaro deu um beijo na testa de Raimunda e abraçou Eduardo.
     - Boa sorte, senhor – disse Eduardo.
     - Obrigado, meu caro. – e então abaixando a voz. – Boa sorte com Raimunda.
     - O que quer dizer?!
     Álvaro, dando risinhos, se afastou com as malas.
     - Pensa que não percebi?
     Álvaro então colocou suas malas no porta-malas da Audi branca, entrou no carro e saiu em sua jornada pelo mundo da investigação policial com Beto voando sobre o carro por todo o percurso.
    O céu estava completamente azul. Com poucas nuvens branquíssimas aqui e ali sobre os campos e dunas verdejantes e os jardins cobertos de orvalho.
     O caminho em direção à Santa Catarina foi agradável e o dia estava lindo em todas as direções. Álvaro dançava e cantava uma música de Elvis Presley, sem deixar de ter atenção ao caminho.
    Passou por Paraná e deu uma volta pela cidade. Estacionou na frente do Museu do Olho e pediu para que um transeunte tirasse uma foto sua em frente ao museu. Passou uma noite dentro de um hotel, que não permitia animais. Por isso, Álvaro enviou o treinado Beto para arranjar onde dormir e comer nas redondezas. Porém o esperto gavião sempre sabia voltar. E, na manhã seguinte, o gavião o estava esperando no muro branco direito do hotel.
    E então a dupla tomou a estrada em direção mais ainda ao sul.
     Passou pela Ponte Hercílio Luz, que ligava a ilha de Florianópolis ao Continente.
    Viajou por toda Florianópolis, admirado pela limpeza e beleza do lugar. Reabasteceu e foi até o extremo norte da cidade. Percorreu a uma velocidade mediana por uma estrada que acompanhava morros de grama alta e cercas elétricas, que delineavam territórios particulares de fazendeiros, cujas casas, iguais às do século XIX, eram unidades no horizonte, algumas como um montinho de área na frente de uma rocha, que no caso eram os montes verdes.
    Checou o mapa que o detetive Ricardo (relutante) lhe dera e virou à direita numa trilha de terra entre gramas altas. Que começou num aclive até suavizar numa curva sobre o monte, de onde dava para se ver boa parte da área urbana norte de Florianópolis.
     Seguiu em frente a leste e dois empregados (dois homens gêmeos de pele tão branca que, graças ao sol, ficou super vermelha, de cabelos, sobrancelhas e cílios loiros arruivados e roupas jeans ou listradas com botas de couro) esguios puxaram os portões, que se abriram para dentro. Álvaro se identificou, mostrando o distintivo e seguiu em frente pela trilha.
     Havia muros de concreto cobertos de ramos verdes e levava até uma enorme mansão de telhados marrons, mas que aos raios vermelhos do sol, ficava igualmente vermelho. Era um lindo lugar para se ficar de férias. Álvaro estacionou no estacionamento que mais parecia o de um supermercado. Havia já algumas viaturas no local. Álvaro falou para um dos gêmeos, que eram os porteiros e empregados da fazenda, que iria guia-lo pelo local, para que esperasse. Ele foi até a varanda e fitou as dependências do dono da casa, que estava morto além do horizonte, no meio do cafezal. Ele ouviu choros que eram com certeza dos familiares da vítima. Atrás da casa havia uma escada que levava a um lindo pátio com piscina e estátuas de anjos. Uma outra escada de mármore levava a um lindo jardim florido e por isso colorido. E então estendia-se um cafezal, ao lado de uma plantação de laranja e do milharal. As plantações viajavam pelas dunas gramadas que seguiam a estrada. Beto voava pela plantação em círculos. Álvaro seguiu os gêmeos pelo cafezal até um local onde fotógrafos tiravam fotos de um cadáver já coberto.  Esses jornalistas estavam atrás do limite estabelecido pela polícia, cujos peritos e detetives (entre eles Ricardo, que lançou a Álvaro um sorriso azedo) analisavam a cena do crime.     
     Um homem baixinho e peludo; forte, de traços duros e quadrados estava esticado no chão. Usava uma ensanguentada e rasgada (por causa dos golpes de faca) camisa xadrez rosa com roxo e cinza. Calça jeans de barras enroladas para dentro e botas de couro marrom claro.
    Uma perita abriu um dos olhos do cadáver e revelou intensos - mesmo que inexpressivos - olhos negros, que combinavam com seus cabelos pretos calvos.
  - As facadas vieram pela frente, pelo menos a maioria – disse a perita, mordendo o lábio. – Hum...
    - Idaí? – disse, dando de ombros, Ricardo Vieira.
    - Eu acho que entendi o raciocínio dela – disse Álvaro, dando alguns passos para a frente com o braço direito servindo de apoio para o esquerdo, enquanto a mão deste segurava seu queixo. – Se as facadas vieram pela frente, é provável que quem foi ao encontro de quem foi a vítima na direção do assassino. Talvez o assassino tenha feito, mesmo que escondido entre as plantas, algo que chamou a atenção da vítima, que foi verificar e foi surpreendida pelo assassino.
      - Eu acho que encontrei um erro nessas observações – disse Ricardo Vieira, com expressão de prazer. – Cafezal é uma plantação muito baixa para que um assassino se esconda para chamar a atenção de sua vítima.
     - E eu encontrei um erro nas suas observações que encontram o erro na minha – disse Álvaro e alguns detetives e peritos em volta franziram o cenho. – Se você perceber, o corpo está nos limites do cafezal, que faz divisa com o milharal. Que é uma plantação bem mais alta. E, se você não se deu conta disso e considerando a importância que esse caso tem para você, suponho que você chegou à cena do crime pouco antes de mim. Estava anteriormente entrevistando suspeitos ou semelhantes. Eu ainda não olhei, mas seguindo minha suspeita, creio que há mancha de sangue rasteira entre a plantação de milho e a de café.
    Ricardo Vieira disse:
     - Sim, cheguei agora aqui – e então se virando com uma sobrancelha levantada para a perita. – Há mancha de sangue rasteira entre o milharal e o cafezal?
    - Sim – disse a perita, olhando boquiaberta e de olhos arregalados para Álvaro, que prosseguiu:
     - Ou seja, explicando, a vítima se arrastou do milharal até o cafezal. E, já que, como disse a perita, a maioria das facadas foi pela frente, tem uma ou mais atrás, nas costas. Que foram os golpes finais do assassino na vítima, para se certificar que ele morreria na sua frente, sem chance de sobreviver.
     - Sim, é exatamente meu raciocínio... – disse a perita. – E até além...
    Álvaro sorriu. Fez-se uma boa quantidade de segundos de silêncio.
    - Que frieza dessa empregada – disse Ricardo Vieira, ficando na mesma posição que Álvaro quando estava fazendo suas explanações. – Pois acho que foi ela, já que foi o que deduzi quando passaram a mim as características do caso. Aqueles gêmeos disseram que o patrão, certa vez, quando bêbado, já bateu na empregada. Mas, fora essa ocasião específica, ele sempre a tratou bem e vice-versa. Foi um caso isolado.
    - O que a empregada disse quanto a isso?
     - Confirmou que de fato ele já tentou bater nela. Porém que nunca se vingaria dele, pois, em geral, ele sempre foi um ótimo patrão.
     - E que mais de indícios tem contra a empregada? – continuou questionando Álvaro.
      - Os gêmeos conversavam quando ouviram o grito da empregada, no cafezal. E correram até lá. Onde encontraram-na de frente para o cadáver.
    - Quero vê-la – disse Álvaro.
    Eles entraram na casa e encontraram uma mulher abraçada com a empregada. Como se pareciam, deveria ser a mãe dela. A empregada era magrela, morena e chorava muito. Parecia fraca.
     Álvaro franziu os lábios ao vê-la e sentou-se no outro sofá defronte a ela, do outro lado da mesinha de centro. E disse delicadamente:
    - Com licença. Eu só quero fazer uma pergunta, sem querer incomodá-la. Me diga, o que a levou a encontrar o corpo?
     - Eu estranhei que meu patrão estava demorando demais no cafezal. Estávamos nos dando bem, porque a gente tinha acabado de fazer as pazes depois que ele me bateu. Por isso decidi ir procura-lo, já que os gêmeos tinham ido ao leilão de bois. E encontrei o corpo lá. Eu gritei e eles apareceram.
     - Apareceram como, se estavam no leilão de bois?
     - Coincidiu com ser no momento da chegada deles.
     Álvaro apertou o maxilar.
     - Quantas horas eles demoraram no leilão?
     - Umas cinco.
     - Que horas o patrão saiu para as plantações?
     - Enquanto João e Jorge saiam com o carro.
     - E como estava o corpo?
     - Cheirava mal.
     - Certo. Obrigado.
      Álvaro se levantou e foi a passos largos de volta ao cafezal e perguntou à perita se depois de cinco horas, um corpo já começa a entrar em decomposição.
      - Bom, praticamente não. Mas já começa o mal cheiro.
      Álvaro assentiu com seriedade.
      - O.k.
      Álvaro caminhou até o estábulo enquanto o dia de tão ensolarado deixava as coisas vermelhas brilhavam sobre ele. Álvaro estava com roupas leves: uma camisa meia manga branca e uma calça de tecido leve. Nos pés um tênis moderno que deixava os pés respirarem bem. Estava de óculos escuros espelhados e chapéu de cowboy. Lá, ele encontrou os gêmeos e decidiu fazer algumas perguntas.
     - Soube que enquanto ocorria o incidente estavam num leilão de bois. Onde fica? – perguntou após as apresentações.
     - Fica numa vila pro oeste – disse um dos gêmeos, chamado João, enquanto afiava sua faca.
      - Quer que a gente leve o senhor lá? – perguntou o outro, que se chamava Jorge.
       - Não, obrigado. Mas... é longe?
       - Não. Ah, sei lá. Mais ou menos.
        Álvaro riu meio constrangido.
        - É ou não é?
         - Não – disse Jorge por fim. – não.
         - Por quê? – perguntou João ao detetive. – Acha que foi alguém que estava lá?
        - Acho sim. E... vocês foram a pé pra lá?
        - Não. De carro.
      - A que velocidade?
      - Tenho quase certeza que há quarenta quilômetros por hora.
     Álvaro então pareceu ter uma ideia e perguntou:
      - Seu patrão tinha algum inimigo?
      - Tem um fazendeiro que tem rixa com ele – respondeu Jorge, franzindo o cenho. – Coisa de dinheiro.
     - É ótimo saber disso! – falou Ricardo, que se aproximava. – Vou investigar. Onde fica a fazenda?
     - Eu levo o senhor lá – disse João, se levantando, cuspindo, pegando seu chapéu e andando. – O senhor também vai? – perguntou para Álvaro.
     - Não, valeu. Creio que vou seguir outro rumo de investigação.
     Ricardo lançou a ele um olhar fulminante, que Álvaro retribuiu com um sorriso simpático.
      Álvaro então olhou para Jorge.
     - Poderia me levar até o local onde ocorreu o leilão? À mesma velocidade e no mesmo veículo que você foi no dia do incidente.
     - Claro.
     A viagem seguia reto pela estrada da fazenda, que sem demora passava no meio de uma pequena floresta e depois fazia a curva que separava dois grandes campos, cujo nos morros o gado pastava. Passava por mais floresta até virar à esquerda numa vila modesta e subir numa rua e parar em frente a uma casa pobre e rosa.
     Álvaro olhou de lábios franzidos para seu relógio.
     - Vinte minutos.
     E então sorriu para o homem de hábitos rudes a seu lado.
      - Quanto tempo durou o leilão?
       - Hum... umas quatro horas.
       - E vocês foram direto para casa?
        - Sim.
       - Interessante. E esse “inimigo” que você diz que ele tinha estava no leilão?
       - Eu não lembro de tê-lo visto.
          - Quando chegaram à fazenda, o que aconteceu?
      - Nós ouvimos o grito da Rosana e corremos para ver o que tinha acontecido. E vimos ela em frente ao corpo do patrão.
      - O.k. Vamos voltar.
      Eles voltaram à fazenda e Álvaro disse que ia ao banheiro.
    Mas na verdade foi para o quarto do patrão morto e pegou sua câmera do bolso. Ficou de luz apagada ao lado da janela fechada por madeira, que ficava de fronte para o estábulo, onde estavam os gêmeos. O detetive então fez sinal para que seu gavião, sobre seu ombro, fizesse silêncio.
      - Por quê fizemos isso? – disse a voz do João que mesmo sendo extremamente parecida com a do irmão, dava para se notar que era dele.
      - Ele sempre se disse um bom patrão. Mas não deixou nossa sobrinha que não tem onde morar passar uns dias aqui. E ainda quis matar a Brita só porque ela era cega.  Mas é especial para nós! Foi a gota d’agua! Ainda tivemos a sorte de fazer isso no dia que ele ia matar a Brita!
     - Mas ainda assim... – disse João. – Matar ele...
     - Shhh! – chiou Jorge. – Não fala isso. Pode ter alguém escutando.
     - E de fato tem – disse Álvaro, abrindo a janela com um empurrão, ainda com a câmera ligada. – Estão presos pelo assassinato de Raul Aguiar.
    João então empunhou o seu revólver mas Álvaro foi mais rápido e atirou no peito do homem antes. O outro homem empunhou um chicote, que esticou e este se enrolou no punho de Álvaro. Jorge puxou o chicote e a pistola de Álvaro voou para o chão.
     Jorge começou a correr pelo jardim. Mas Beto piou alto e saiu em disparada pela janela. Esticou suas garras afiadas na direção do homem e lhe deu um golpe com as garras, rasgando sua camisa e empurrando-o. Ele tropeçou e caiu. Beto então pousou sobre o peito do homem antes que este terminasse de se levantar. E ficou apontando sua garra ferozmente na frente do nariz de Jorge. Piando ameaçadoramente. O homem, temeroso, levantou os braços, num sinal de rendição.
    Os policiais correram, ao ouvir o som dos tiros, e encontraram Beto sobre Jorge.
     Álvaro pulou pela janela e andou a passos largos pelo gramado na direção do aglomerado de policiais que faziam perguntas sobre o que tinha acontecido.
     - Vocês estão vendo, sob o gavião, o único sobrevivente dentre os dois assassinos de Raul Aguiar. – Deixe-me explicar.
     Álvaro limpou a garganta e começou a andar de m lado para o outro no gramado, com os dedos entrelaçados e a cabeça meio abaixada.
     - Levantei especial suspeita para os gêmeos quando soube da “estranha coincidência” de eles chegarem no exato momento em que a mulher encontrou o homem morto sendo que saíram também no momento exato. Segui essa linha de raciocínio, que se reforçou quando Jorge me informou que o leilão durou horas a menos do que a vítima foi encontrada morta. Mas, segundo Jorge, depois do leilão, eles foram direto para casa. Há uma grande discordância dos fatos. Eu calculei a distância que levaram para ir e voltar e somei com o tempo do leilão e restavam várias horas. Para não levantar desconfiança, insinuei que minhas suspeitas decaíam sobre este suposto fazendeiro inimigo de Raul. Fui para o quarto e gravei a confissão não proposital dos assassinos. Quando os abordei, João empunhou o revólver e por isso atirei nele – Álvaro indicou o corpo ensanguentado de João, que já era levado ao pronto socorro pelos peritos. – Este aqui tentou fugir. Mas meu gavião de estimação o abordou. Agora, creio que, enquanto um dos gêmeos saia com a caminhonete, dizendo que estava com seu irmão ao lado para não levantar desconfiança, o outro atraía a atenção do homem, que, talvez por observação dos hábitos da vítima, sabia que esta poderia avistar o sinal. Um dos gêmeos foi o assassino e o outro o cúmplice. Agora resta a Jorge dizer quem matou Raul Aguiar.
         - FUI EU! – berrou Jorge. – Matei pois o Raul não quis deixar minha irmã, que não tinha onde ficar, passar um tempo conosco na fazenda e ainda quis matar uma vaca cega, chamada Brita, que é muito especial para mim e para meu irmão!
       Jorge começou a chorar. Os familiares de Raul também.
      - Não quero ficar com essa fazenda idiota! – disse o filho de Raul, seu herdeiro. – Vou vender!
     Álvaro se aproximou.
     - E eu estou interessado em comprar. Com tudo que está aqui dentro, tirando o que quer que a família de Raul queira retirar. A emprega tomará conta das coisas enquanto não estiver aqui. Contratarei novos empregados e empregadas e cuidarei de Brita.
      Álvaro então se virou para o delegado da região e colocou seu gravador nas mãos dele.
     - Para qualquer coisa que esta câmera possa ajudar a comprovar o que eu disse, assista a gravação. E será um prazer dizer tudo que descobri no julgamento de Jorge. De fato, Raul poderia não ser o melhor chefe do mundo, mas isso não justifica seu assassinato.
     Todos começaram a sair da fazenda. Mas Ricardo decidiu ficar para conversar com Álvaro.
     - Parabéns – disse, com falsa felicidade. – Mais um caso resolvido por você. Tentei ver se o inimigo da vítima era o suspeito, enquanto mantinha meus olhos fixos na empregada. Mas no final, você conseguiu. Eu gostaria de pedir para que parasse de se intrometer nos meus casos e que, por favor, siga sua carreira num caminho divergente do meu!
     Álvaro riu.
     - Não foi você que me contratou para este caso. Foi a família da vítima. E não é culpa minha se não confiam totalmente em você, para garantirem que você sem a minha ajuda, ou total resolução do mistério por minhas mãos, possa por a verdade no final da investigação.
      

     
  
                           Caso 4
                   Monstro do Mar    


       Logo é chamado pelos índios de “Monstro do Mar”, um maníaco aparece no meio do mar e mata a facadas pessoas desavisadas que estão solitárias no fundo. Álvaro é chamado para cruzar o país e ajudar a polícia em mais um caso. O maníaco ataca dês de turistas em praias famosas até índias nos rios. O Brasil inteiro para e Álvaro e Beto enfrentam dês dos mistérios da mente humana até as forças da natureza na direção de um dos assassinos mais excêntricos da história. Com um final surpreendente, este caso faz perder o fôlego.



       Álvaro se sentia bem no avião banhado de sol que se dirigia ao nordeste do Brasil. Beto estava numa gaiola ao seu lado. Álvaro já estava tão famoso, que o avião militar foi emprestado a ele para a missão. E o piloto e copiloto faziam todo o trabalho, enquanto ele apenas bebia vinho e admirava a vista. Estava com seus óculos escuros, admirando a beleza que Deus proporcionou à Terra. Mas existia o mal para tentar estragar. Seus pensamentos se voltaram para o caso que iria investigar.
     Algum maníaco atacava à facadas pessoas desavisadas em rios e mares. Aparentemente, os índios eram seus alvos preferidos.
    Começaram a sobrevoar Ilhéus, no estado da Bahia. É a cidade com o maior litoral dos municípios baianos. Álvaro olhou para a cidade banhada de sol. Pelo que via, a região que sobrevoavam não tinha muitos prédios. Em uma das extremidades uma faixa de areia ao lado de um rio ondulante que separava a cidade de um trecho verde e plano. céu estrava azul e o clima tropical deixava Álvaro entusiasmado. Isso quando não pensava sobre o caso que estava investigando...
    Álvaro foi recebido no aeroporto por policiais. E entre eles Ricardo Vieira.
     - Ricardo! – disse Álvaro, parecendo realmente feliz. – Que hora vê-lo! Cortou o cabelo?
    - Não. Apenas quis guarda-lo no lixo de um cabelereiro.  
    Ricardo Vieira estava com mais três policiais.
    
     - Saiba, Black, que enquanto você resolvia aquele casinho e salvava a mendigos, eu salvei a família do empresário de desodorantes Nathan.
       - Mas, suponho, que descobriu que foi a própria família que causou seus próprios problemas e inimizades. Foi numa trama de jogo do bicho. Que é ilegal, mas eles são ricos, e neste país de merda, eles não foram presos. Cada mendigo que salvei vale mais do que toda a família Nathan junta.
    Eles falavam baixo, se olhando nos olhos, bem próximos uns dos outros. Quase sussurrando, como se jogassem um jogo de xadrez oral.
    - Mendigos que nada têm a contribuir para o mundo. Eu pelo menos salvei uma família importante que tem muito a dar ao mundo. E ganhei o dobro que você em recompensa.
    - Parabéns. Mas discordo. A minha recompensa supera a sua em tudo. Pois ela é mais moral do que palpável. Sei que salvei pessoas inocentes, e não jogadores ilegais. Não digo que não os salvaria, mas não teria tanto prazer, o que não tiraria em nada o meu fervor em resolver o mistério e consequentemente os problemas da família Nathan.
   “E, sobre salvar pessoas que tem muito a dar ao mundo, discordo também. Eles tem a oportunidade de ajudar o mundo. Mas não o desejo e por isso não o fazem. Mas eu pude perceber um coração muito mais puro naqueles mendigos aleijados ou normais, do que vi nos rostos limpos daqueles riquinhos que você salvou. Aqueles que salvei em meu último caso não tem nada a dar ao mundo, porque não tem a oportunidade. Eles conhecem os problemas da civilização e se pudessem combate-los, mesmo que não por eles mesmos, mas pelos outros, creio fortemente que o fariam.”
    - Mas a família Nathan também começou na pobreza.
    - O que mostra que nem todos que começaram por baixo vão se erguer puros por terem sofrido, os privilégios facilmente corrompem os de mente fraca. O que diminui o seu mérito por ter resolvido o caso dessa família, tornando-o ainda menor do que já era por eu ter salvado pobres pessoas. Afinal, você salvou pessoas corrompidas pelos privilégios. Mas parabéns, você salvou pessoas ao resolver um caso digno de um detetive que sabe trabalhar, mas pouco sobre a vida.
     Álvaro colocou uma mão alegre no ombro de Vieira, que tirou-a com o seu braço.
    - Engraçado, não? Eu ser chamado para um caso que reúne um nome tão importante e você o de mendigos.
    - Já provei que estou mais feliz com o caso que resolvi do que estaria com o que você resolveu. Agora, um excelente jornal pesquisou e descobriu que sua família é amiga da de Nathan, o que mostra que as amizades, como disse o jornal: “Dão oportunidades e salvam vidas”.
    - Senhores – disse um dos policiais, de óculos escuros. – Temos que ir para a delegacia.
    Assim os quatro caminharam em silêncio pelo aeroporto banhado do sol de meio-dia. Entraram na viatura e seguiram para a delegacia. Álvaro decidiu: em suas (merecidas) férias ele irá para Ilhéus.
   Álvaro ouviu gritos lá dentro. Um homem era segurado por outro. Ele gritava de dor. De desespero. Com certeza um dos familiares de uma das vítimas do maníaco. Ele usava calça jeans, porém estava sem camisa e de corpo pintado e na cabeça um enfeite de penas coloridas.
    Álvaro entrou na delegacia com as mãos nos bolsos. Passou pelo homem, que chorava muito. Álvaro se abaixou perante o homem e sussurrou, com a voz firme como jamais ficou em sua vida.
    - Preste atenção, homem – disse. O homem ergueu o rosto para o de Álvaro, que estava próximo ao dele. – Eu não descansarei até pegar o assassino. Prometo a você que ele será pego. Isso não irá trazer a pessoa pela qual você chora de volta, mas pelo menos diminuirá sua dor.
    - Quem é o senhor? – disse o homem.
    - Black. Álvaro Black.
    Álvaro saiu andando normalmente. Ricardo, ao passar pelo homem, levantou uma sobrancelha para ele.
   Álvaro foi para uma sala que ele teria de dividir com Ricardo (para desgosto de ambos).
    A sala não era muito grande. Em cada extremo uma mesa para cada um deles. Álvaro se sentou na mais próxima e colocou os pés sobre ela, refestelando-se, relaxado.
    - Suponho que tenha sido a esposa dele a vítima – disse Álvaro, olhando para um canto distante do teto. – Pois o homem ataca mais mulheres...
    - De fato – disse Vieira, com a voz cansada, sentando-se em sua mesa. – Devo dizer que não me sinto feliz dividindo uma sala com você.
    - Muito menos eu com você – respondeu Álvaro, ainda com o mesmo olhar para um canto distante do teto. – Quais foram seus métodos até agora?
    - Comecei no caso hoje também. Estou apenas analisando as mortes.
    - Temos que ir à aldeia. Quero analisar o rio pelo qual eles foram atacados.
    Ricardo ergueu os olhos da papelada de testa franzida.
    - E como sabe que foi um rio?
    - Quando entrei, entre os berros daquele pobre índio, pude perceber o homem que o segurava se referindo a um.
    Um homem entrou agitado na sala.
     - Mais uma vítima daquele maníaco do mar. Dessa vez foi uma turista na praia.
    Álvaro pegou seu chapéu e deu uma última alisada com a mão nas penas de Beto antes de se levantar.
    - Da cena do crime recente vamos à aldeia daquele índio. Pela pesquisa que fiz dos índios da região, suponho que sejam da aldeia Tupinambá.
    Eles correram para fora da delegacia e embarcaram na viatura. Álvaro ordenou que Beto ficasse na sala e deixou um pouco de comida para ele. Ele adorava peixes. Por isso Álvaro, que guardava alguns numa geladeirinha portátil que sempre mantia com ele, deu alguns para que Beto se distraísse.
    A sirene iluminava os carros em volta e o som os mantia fora de seu caminho. Pararam próximo ao calçadão e correram em direção à praia, onde um aglomerado de gente olhava para um determinado local. Uma ambulância saía. Álvaro andou até as pessoas, seguido pelos policiais. As pessoas estavam bem próximas do mar.
     - Quem foi que a tirou da água? – perguntou Álvaro, por cima do murmurinho assustado da multidão.
     - Fui eu – disse o salva-vidas. – Eu a vi gritando. Corri até lá, nadei e a puxei. Em volta dela a água já estava toda vermelha de sangue. E... é forte o que vou dizer, mas as tripas dela estavam pra fora.
    - A mulher era morena? – disse Álvaro, os olhos distantes no oceano.
     O céu estava nublado agora e ocasionalmente, no horizonte, um trovão atingia a água que estava vazia de pessoas.
     - Não – respondeu o salva-vidas. – Loira dos olhos verdes. Bem bonita, a coitada.
    As sobrancelhas de Álvaro se fecharam.
    - Por que será que esse maníaco também ataca pessoas sem nenhum padrão? Sem nenhum tipo de vítima especial. E como ele consegue não ser notado? A mulher não estava escondida perto das pedras. Estava fundo, suponho, mas numa área realmente aberta... Enfim. Quero as câmeras de segurança dos prédios que tem qualquer chance que seja de captar o que ocorreu. – ele apontou para os dois policiais que o acompanhavam. – Vocês dois providenciem as gravações. Vieira... por favor, vamos até a aldeia Tupinambá.
    Álvaro começou a andar para sair da praia. Mas Vieira segurou seu braço e sussurrou:
    - Você não é o líder deste caso.
    - Eu não disse que era.
     - Mas está determinando onde vamos.
     - Não estou determinando. Estou apenas dizendo que é um dos locais que creio que temos de ir caso queiramos resolver este caso.
    - E eu quero.
    - Então – Álvaro colocou um charuto na boca e o acendeu. – Vieira... por favor, vamos até a aldeia – repetiu, novamente em tom alto.
    Álvaro fez um movimento preciso que lhe libertou da mão de Ricardo. E então ele saiu andando, sem olhar, mas sabendo que era seguido pelo relutante Ricardo.
     Eles chamaram uma viatura e pediu ao policial motorista os levar à aldeia. Sem demora, as casas deram lugar a árvores. O carro parou na frente de uma trilha num ponto deserto da estrada.
    - É só seguir essa trilha – disse o motorista. – E vocês chegam lá.
    Os detetives agradeceram, desceram do carro e ficaram parados lado a lado, olhando a mata fechada que se estendia à sua frente.
    Álvaro, que jogara seu charuto na estrada, quando ainda passavam pelas casas, entrou na trilha, assoviando. Ricardo chegou ao seu lado.
    Pássaros cantavam e alguns animais percorriam o mato entre as árvores galhos e raízes. O ar estava úmido e o cheiro de selva acariciava as narinas de nosso herói, mas fedia para Ricardo. Gotas caíam de folhas no alto. Os dois homens andavam em silêncio. Quarenta e cinco minutos de caminhada depois, um índio apareceu. Sua calça era de gente da cidade, e seus óculos também. Mas usava alguns enfeites de sua tribo e seu corpo era pintado.
   - Quem são vocês? – perguntou ele, uma flecha preparada em seu arco.
    - Não somos o homem que tem atacado vocês – disse Ricardo. – Somos detetives e viemos colher informações.
    - Ahhh – disse o índio, e seu alívio que diminuía aos poucos era quase palpável. – Me sigam, estamos próximos da aldeia.
     Os detetives começaram a acompanhar o índio.
     Ricardo Vieira odiava a floresta, mas andava por ela com tanta agilidade quanto Álvaro.
     - Sabe, Álvaro – disse Ricardo, em tom banal. – Antes da sua chegada, eu me contentaria em resolver o caso. Agora, me contentaria apenas em resolver antes de você.
     - Sabe, Ricardo – disse Álvaro, no mesmo tom de voz. – Boa sorte nisso. Porém as suas capacidades não ajudaram em nada até agora.
    - Podemos estar perdendo tempo vindo aqui.
    - Você tem dez anos a mais que eu de experiência nisso. Mas considerando o meu histórico grandioso, mesmo que pequeno, creio que tudo indique que a tendência sou eu estar certo.
    O tom de voz de Ricardo tornou-se sombrio bem quando as gotas realmente de chuva (e não as que despencavam de folhas de árvores que as tinham retido) começam a cair sobre suas cabeças.
     - Você não vai querer jogar este jogo comigo.
     - Não só quero, como acho que você pode perder. E, acredite, não me importo com você. Você pode resolver o caso antes que eu. Desde que o caso seja resolvido.
    Os dois se encararam e, sentindo o tom tenso entre os dois, o índio decidiu falar algo para quebrar o clima:
    - Acho que vocês vão ouvir do pajé a lenda que fizemos do assassino de mulheres. O chamamos de Monstro do Mar.
    - Será um prazer capturar esse monstro – disse Ricardo, sorrindo.
    - Está na hora de eu trocar de turno – disse o índio. – Por isso estou voltando com vocês. Mas o caminho é simples. Basta seguir a trilha.
     Enfim chegaram à aldeia. O chão era arenoso e as ocas grandes. Era um verdadeiro espaço aberto enorme rodeado por coqueiros. Crianças brincavam, mulheres cozinhavam ou faziam artesanatos. Homens saiam com suas lanças e redes para caçar. Etodos usavam enfeites naturais e equipamentos também. Corpos pintados. Pele morena, olhos puxados e cabelos negros lisos. Eles usavam uma ou outra veste de gente branca. Como blusas, camisas sociais, calças, sapatos, óculos...
    - Vou guia-los para a toca do pajé – disse o índio. – Mas fomos avisados a nunca revelar nossos nomes. Por motivos de seguranças.
    - Entendi – disse Álvaro.
    - Vamos logo – disse Ricardo. – Por que todos estão olhando para nós. E nem todos os olhares são agradáveis.
    Eles cruzaram a aldeia. Álvaro pegou sua lente de aumento e colocou diante do olho direito. As crianças que os seguiam começaram a rir, com o efeito da lente.
    Álvaro então se abaixo próximo às crianças, obrigando o índio e Ricardo a pararem.
    - Vamos logo! – reclamou Ricardo.
    - Espere – disse Álvaro. – Tenho algo a esclarecer a estas crianças. Saibam, crianças, que daria essa lente a vocês, mas não posso correr o risco de perde-la. Pois ela pode ajudar a prender o monstro que pode matar as mamães de vocês.
    Álvaro saiu andando sorrindo, deixando para trás crianças paralisadas e assustadas.
    Um homem alto e musculoso veio até eles. Dava para se notar pelos enfeites e por sua postura, que era o líder da aldeia. Ele falou grosseiramente com o guardião da aldeia na língua deles, que apontou para Álvaro e Ricardo, explicando algo. O cacique olhou para eles com desdém e saiu andando.
    - Ufa – disse o homem. – Eu sou um dos guardiões dessa aldeia. Mas mesmo assim não tenho poder nenhum aqui dentro. Viram o tamanho desse cara? Se ele quiser ser grosseiro comigo, o que eu faço? Choro?
    Ricardo e Álvaro riram e continuaram andando.
    - Por que não trouxe sua águia? – perguntou Ricardo para Álvaro.
    - Não é águia, é gavião. E, por mais esperto e ágil que seja, vive comigo desde quando nasceu. Não está acostumado com a natureza.
    O índio deixou os homens na porta de uma grande oca.
    - É aqui que mora o pajé.
    Álvaro e Ricardo assentiram de maneira cortês para o índio.
    - Obrigado – disse Álvaro. – Você foi de grande utilidade.
    Eles entraram. O lugar era grande. E a iluminação cinzenta entrava pelas janelas. Havia ali dentro uma mesa de madeira central, onde estava o pajé. Ao lado, distante, um fogão à lenha e do outro lado uma cama. Coisas simples. Mas na mesa, haviam ossos de animais, ervas variadas, madeiras pintadas. E, na parede, a cabeça empalhada de um tigre.
     O pajé era um homem gordo (bem diferente do guardião da aldeia que os recebeu, que estava em boa forma). Ele usava óculos e suas bochechas eram grandes. Seus cabelos eram baixos e seriam enrolados caso crescessem. O que o tornava muito familiar a alguém. Não é preciso ser especialista na vida daqueles índios para reparar que o seu enfeite de cabeça, bem maior e colorido do que os demais (fora o cacique), representava que ele era o pajé. O líder espiritual da aldeia.
    - Bem-vindos – disse. – Suponho que sejam detetives investigando o assassinato que aqui houve.
    - E eu suponho que você seja pai de um dos guardiões dessa aldeia – disse Álvaro, cruzando as mãos nas costas. – Precisamente o que nos trouxe até aqui. Vocês tem o mesmo traço, exceto que ele é mais magro.
     O pajé poderia se ofender, entender que o detetive tinha lhe chamado de gordo. Mas, invés disso, sorriu. Ele parecia boa gente.
   - De fato. Ele é meu filho. Agora, vamos ao que interessa? Bom, eu acho que não há pista alguma aqui sobre quem cometeu o crime.
   - Segundo o depoimento da vítima pouco antes de morrer, ela estava lavando roupa numa rocha À beira do rio, quando apareceu um pequeno caninho preto e logo depois um braço a puxou para o rio e esfaqueou.
    - Sim – disse o pajé com tristeza. – Foi isso sim. É nossa sétima vítima.
    - E é a quinta entre as pessoas que não são indígenas.
    - Seis – corrigiu o pajé.
    - Oh, sim, de fato – disseram os detetives ao mesmo tempo. – Mas poderia nos levar até a cena do crime?
    - É claro.
    Os três andaram para fora da oca. Caía uma leve garoa e aquele local continuava agradável.
   Eles cruzaram um bosque pequeno e chegaram a um rio. A borda era de rochas lisas.
    - Como vê – disse o pajé. – Nenhuma mancha de sangue.
    - Ricardo – disse Álvaro. – Como a mulher foi resgatada?
    - Ela estava esticada sobre a rocha. Um índio disse que viu alguém mergulhando no rio. Foram atrás, mas não acharam ninguém.
    - Estava próxima à grama?
    - Sim.
   - Vamos ver – disse Álvaro, empunhando sua lente de contato.
   - Ah – disse Ricardo, engrossando a voz. – Sei o que vai fazer.
   - E o que ele vai fazer? – perguntou o pajé.
   - Ver se o sangue não atingiu o gramado. – respondeu Álvaro, se agachando sobre a grama ao lado da rocha. -  Pois pode haver marcas de sangue nele que não seriam abertamente lavadas pela água como aconteceria se fosse pela rocha.
    Ele soltou um “ah” e se levantou.
   - De fato, há.
   - E veio de seu pulso – disse Ricardo. – Afinal ela foi encontrada sobre a rocha, com o braço esticado. Sua mão atingia a grama.
    - Isso quer dizer que ela escapou do bandido – prosseguiu Álvaro.
    - E ele ia puxá-la novamente ao rio, mas alguém ouviu os gritos dela.
    - E o que explica o caninho preto? – perguntou o pajé, olhando de um detetive para o outro.    
    - Era a passagem de ar do assassino – responderam os detetives.
    - Ótimo! – disse o pajé, feliz. – Vamos voltar à minha oca. Quero lhes contar a história que fizemos sobre o assassino.
    - Perfeito – disse Álvaro.
    - Vou dizer pra você – disse Álvaro para o pajé. – O assassino é daqui dessa aldeia.
    - O quê?! – disse o pajé, arregalando os olhos. – quem?!
    - Muita calma com o andor. Ainda não. Talvez a história do senhor ajude bastante.
    Os detetives pegaram cadeiras que estavam na frente da oca do pajé e as colocaram na frente da mesa do pajé, para ouvir a história.
    - O Monstro do Mar vive no meio da selva de pedra. Revoltado com os problemas do dia-a-dia, decidiu vingar-se da vida tirando esta de pobres mulheres desavisadas no mar.
     “Ele viu um tubinho preto no chão e decidiu pegá-lo para se manter respirando embaixo da água. Quanto mais mulheres mata, mais o mal interior passava para o exterior. Seus olhos ficam vermelhos e suas íris também. Seus dentes ficam pontiagudos como os de uma fera sobrenatural que de fato ele é. O Monstro do Mar é um homem muito branco, alto e musculoso. Suas unhas se tornaram garras amarelas de puro terror. Suas costas ganharam asas negras. Ele anda sem camisa. Nas suas costas há a tatuagem de uma fênix enorme, que pega toda a área de seu dorso. Ele esconde as asas na roupa quando está andando na rua  e suas garras tornam-se unhas para manter o disfarce.”
     “Ele trabalha num escritório e todos que o conhecem estão estranhando como aquele homem que escondia sua tristeza (por causa de um namoro terminado) com frases sagazes começou a ficar tão quieto. Ele entra na água de capuz e faca na mão. Usa seus de dentes pontiagudos juntamente com uma espada para matar as mulheres, como se fossem a mulher que feriu seu coração e ele não teve coragem de matar. Ele viaja para a praia da qual ele decide atacar viajando pelo céu noturno, batendo suas asas.”
     “Não sei se ajudou. Porque nada disso é verídico para vós homens brancos, pois é simplesmente como o nosso lado espiritual imagina esse ser”.
    - Pelo contrário – disse Álvaro. – Creio ter ajudado muito. Você que bolou essa história?
    - Sim.
    - Sozinho?
    - Sim.
    - Parabéns! Agora já sei quem foi o assassino.
    - Eu também – disse Ricardo. – Pajé, traga o cacique. Ele têm de saber quem é o assassino, mesmo que eu ache que ele já sabe.
    Álvaro estreitou os olhos para Ricardo quando o pajé colocou a cara para fora da oca e gritou o nome do cacique.
    Ricardo sorriu para o olhar de Álvaro, vitorioso. Embora deu empate, já que Álvaro também sabia. Os dois sabiam quem era o
assassino? Os dois erraram? Apenas um deles acertou?
    Quando o cacique entrou, num golpe rápido, Ricardo o algemou.
    - Eu apresento a vocês, o Monstro do Mar.
    - O quê?! – disse o cacique. – NÃO SOU EU!
    Todos pararam e ficaram olhando para Álvaro, que ria.
    Álvaro se esforçou para parar de rir, suspirando, franzindo os lábios e olhando para as mãos esticadas.
    - Meu caro Ricardo – disse. – Sinto em dizer que você chegou à conclusão errada.
    - Não, não cheguei não! – disse Ricardo, querendo parecer seguro de si, mas . – Logo que chegamos vi que ele tinha machucados pelo corpo que realmente poderiam ser causados pela unha de mulher, talvez. Sem contar que ele foi um tanto quanto hostil quanto à nossa presença.
   - Pois bem – disse Álvaro, esticando os pés cruzados. – Os machucados que ele tem pelo corpo foram causados pelos anos de caça...
    - E ainda por cima ele pintou o corpo para disfarçar! – interrompeu Ricardo, exasperado.
     - Eu ia chegar a este ponto – disse Álvaro, se levantando, pegando sua lente de aumento, andando em direção ao cacique, que ainda estava algemado e começou a olhar para o corpo do homem – Unhas femininas fariam ferimentos menos largos do que estes. E a tinta que ele passou no corpo não está na área de todas as feridas, que sem duvida vieram das atividades de caça. Sem contar que este é um homem grande e não deixaria uma
mulher conseguir subir na rocha e pedir ajuda. E, sobre ser hostil, ele é o cacique, é dever dele investigar qualquer pessoa suspeita (condição na qual ficamos após os ataques) que entre aqui. E ele não foi o único a lançar olhares malvados para nós.
    Álvaro então se virou para o pajé.
    - Porém, o seu corpo está ferido bem onde as unhas femininas atingiriam caso estivessem sendo atacadas. – Álvaro posicionou seu olho aumentado pela lente no corpo gordo do pajé. – E está pintado com mais força nessas áreas.
    Ricardo bufou e libertou o cacique, que saiu da oca olhando muito feio para Ricardo.
    - Você não tem um corpo atlético – continuou Álvaro olhando feio nos olhos do pajé. – O que daria mais condições de a vítima chegar às rochas e pedir ajuda.
    Álvaro foi á porta da oca onde o cacique parecia contar na língua indígena para um de seus homens o que aconteceu dentro da oca.
    - Cacique? Me diga, quem aqui tem mais relação com os homens brancos?
    O cacique olhou feio para o detetive, mas respondeu de maneira normal, talvez pelo Álvaro ter lhe tirado de uma enrascada.
    - O pajé.
    - E onde você estava quando a mulher foi esfaqueada?
    - Estava conosco – disse o índio com o qual conversava o cacique. – Caçando.
    Outros homens vieram e afirmaram o mesmo.
    Álvaro agradeceu e, sorrindo, voltou-se para o pajé, que ouviu as perguntas e as respostas do diálogo breve entre Álvaro, o cacique e os caçadores indígenas.
    Ricardo e Álvaro ficaram olhando sério para o pajé. Ricardo parecia triste por não ter conseguido resolver o caso antes de Álvaro e ter perdido o jogo entre os dois.
     - ISSO É UM ABSURDO! – gritou o pajé.
     - De fato – disse Álvaro, sério, ao lado de Ricardo, os dois em pé tapando a porta da oca. – É um absurdo o que você fez. O cano preto foram seus mandantes que lhe deram. Já que a borracha não seria facilmente encontrado por vocês, índios.
    O pajé emitia sons desesperados e olhava de um detetive para o outro. Seu peito subia e descia e ele tentava pensar em algo para falar.
     - Já chega. – disse Ricardo, pegando as algemas. – Acabou.
    - SOCORRO! – berrou o pajé de repente. – ESTÃO ME ATACANDO!  
     Pouco antes do cacique e seus homens entrarem na oca, o pajé pegou de um baú dentro de algumas batatas uma faca e enfiou em seu próprio braço.
    Ricardo pareceu chocado. Álvaro paralisou.
    - Veja o que fizeram! – gritou um homem.
     Os detetives começaram a protestar, mas os índios começaram a avançar perigosamente na direção deles.
     Álvaro puxou Ricardo consigo e abriu caminho entre os índios com empurrões. Ambos correram pela aldeia perseguidos pelos índios guerreiros. Lanças e flechas passavam zunindo próximos a seus ouvidos.
   Ricardo, enquanto corria pela mata, pediu reforços. Os detetives, como homens da cidade, não conheciam a mata como os índios, claro. Por isso Álvaro sabia que faltavam poucos segundos para que ele e seu adversário intelectual fossem pegos. Mas foi então que alguém os salvou. Alguém que ele não esperava e que era o ser vivo em quem mais ele confiava...
    Uma ave apareceu do nada. Com suas garras fortes, derrubou o cacique, que era o homem mais perto de pegar os detetives. Com suas asas no rosto deles, fez com que mais dos índios se atrapalhassem e dessem de cara com árvores.
    Os demais índios estavam mais atrás. Álvaro de longe reconheceu Beto, e temeu que ele fosse atingido por flechas ou lanças ou qualquer arma indígena daquele povo.
    - BETO! VOLTE!
    Beto formou um arco entre as altas raízes e rapidamente se juntou a Álvaro e Ricardo, voando ao lado deles, que corriam. Graças a Beto os detetives conseguiram um grande avanço em questão de distância de seus perseguidores.
     Eles correram pouco mais de um metro pela estrada quando avistaram as viaturas, que derraparam quando passaram por estes. A presença da polícia não fez os índios diminuírem o passo. E então se teve início um confronto.
     A polícia mandou através do megafone que os índios cessassem o ataque. Mas eles ignoraram e começara a gritar e continuar a correr.
    Os policiais abriram fogo e os índios se dispersaram para a mata, perdendo dois de seus homens.
    Os policiais se viraram para a mata. O único som parecia vir da mente deles: o eco do som dos tiros.
    - Saiam para a estrada com as mãos na cabeça – ordenou um capitão da polícia.
    Álvaro apertou os olhos. Também abriu fogo contra os índios, que por sua vez atiraram flechas e lanças. Mas isso foi em conflito aberto. Dessa vez, seria pelo modo surpresa, Álvaro tinha certeza. Os índios estavam dispostos a morrer por seu pajé.
    - Prepa... –começou Álvaro, mas antes que ele pudesse terminar as suas palavras o ataque teve início.
    Incógnitos pelas folhas das árvores, os índios saltaram dos galhos. No salto ofensivo, alguns já foram alvejados, outros conseguiram pousar e matar os policiais.
    Carros que passavam na estrada desviavam do combate (eles eram surpreendidos porque era bem numa curva). Um deles, que estava em alta velocidade, deu azar e, ao tentar desviar, bateu em uma das viaturas, derrubando os tiras que usavam o carro como proteção.
   A viatura foi parar a centímetros de Álvaro, que mergulhou no asfalto, ralando as mãos. Seu revólver produziu fagulhas quando saiu de sua mão. Ele esticou a mão, mas uma perna a chutou longe. E Álvaro se deparou com o cacique. Ele girou sua lança e deu o golpe final...
    Mas Álvaro rolou para o lado bem a tempo, ainda no chão chutou a lança, que voou pelos ares. Álvaro se ergueu de um salto, chutou o quadril do índio e pegou sua lança no ar e correu para fora da área de combate. O índio empunhou seu arco e flecha e foi atrás. Os dois ficaram se encarando, preparados para um duelo épico. Uma das viaturas explodiu, jogando alguns índios e policiais longe.
   Beto voava ameaçadoramente por cima da cabeça do cacique.
   - Nós não atacamos o seu pajé – disse Álvaro, com seriedade, porém calma.
   - Nós vimos a faca no braço dele – respondeu o índio.
   Tiros eram ouvidos, mas Álvaro estava fora da zona de combate.
    - Ele mesmo furou seu próprio braço – disse Álvaro. – Fez isso para parecer que nós os estávamos atacando para encobrir o fato de que ELE É O MONSTRO DO MAR.
   Os olhos do cacique da aldeia Tupinambá se arregalaram e se abaixaram. Ele olhou para Álvaro friamente, tentando avaliar se o detetive estava dizendo a verdade. Por fim, o índio abaixou o arco, olhou para o combate e berrou: “PAAAAAREEEEM!”
    O combate cessou imediatamente.
    - REAGRUPAR! – ordenou o cacique e os índios, voltados cautelosamente para os policiais, formaram filas atrás de seu chefe.
     - Caímos num golpe – falou o índio. – O pajé é o Monstro do Mar. Ele esfaqueou a si mesmo e colocou a culpa nos pobres detetives que só estavam tentando nos ajudar. Policiais, venham conosco. Temos um assassino a pegar.
     Os policiais hesitaram, mas logo eles e os índios caminharam em silêncio mata adentro. Dava para ver que os tiras temiam ser uma emboscada. Quando chegaram na aldeia Tupinambá, algumas mulheres pensaram que os policiais renderam seus maridos, mas o cacique, na linguagem deles, esclareceu tudo.
   Ao ouvir aquilo, o pajé saiu correndo. Mas o cacique mirou uma flecha nos tornozelos do assassino antes que este atingisse a mata. E foi certeiro. A flecha atingiu seus pés e ele caiu com estrépito no chão. Os homens correram até ele e Álvaro apontou o revólver para sua cara.
   - Acabou. Que Jesus tenha misericórdia da sua alma.
  

    O pajé assumiu que os fazendeiros lhe pagavam para matar as mulheres. Isso desestabilizaria os índios ante a batalhas contra os fazendeiros, colocando estes na vantagem na briga por terras. Álvaro e Ricardo estavam a tirar suas coisas da sala que dividiram.
    - Eu acho – disse Álvaro. – Que você conseguiu deduzir que a faca com a qual o cacique, agora preso junto com seus mandantes, usou para esfaquear o próprio braço é a mesma com a qual cometeu os crimes.
    - De fato – disse Ricardo. – Ele tirou de um baú escondido embaixo de batatas. Um esconderijo bom para algo criminoso. E notei o sangue seco.
    - Sem contar que ele nos corrigiu quando erramos o número de mortes do assassino. Como ele saberia disso sendo que há vítimas fora de sua aldeia?
    - E ele assumiu logo depois de preso que as mortes fora da aldeia foram para distração. Tirar um padrão de crimes para desorientar a polícia. Mas um dos indícios mais fortes é que ele sozinho criou o mito do Monstro do Mar, com até mesmo as características normais do ser, ele deixou longe das dele.
    Antes de sair da sala, Álvaro ergueu a mão para Ricardo.
    - Foi um prazer trabalhar com você.
     Ricardo apertou a mão de seu adversário.
     - Não posso dizer o mesmo. Eu ainda conseguirei manter minha carreira acima da sua.
     - É o que veremos.
    
      
   
    MAIS CASOS EM BREVE.  
    
   
    
       
   
    
    





   

     
















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